Nas mesas de operações do distrito financeiro de São Paulo, Luis Stuhlberger é uma figura imponente, quase mítica.
Um dos pioneiros da indústria de fundos de investimentos no Brasil, Stuhlberger, que é reservado e evita a imprensa, por anos atraiu multidões em eventos públicos, com operadores se amontoando para ouvi-lo. Seus seguidores mais dedicados chegam a chamá-lo de “padrinho”.
Isso é o que fazem décadas de retornos excepcionais – muitas vezes os melhores do mercado. O fundo carro-chefe de sua gestora, Verde Asset Management, rendeu 26.000% desde sua criação em 1997, alocando em tudo, de moedas a commodities. Isso equivale a 22% ao ano.
Agora, às vésperas de seu 70º aniversário, Stuhlberger enfrenta uma crise como nunca antes.
Os retornos do fundo Verde passaram de espetaculares para medianos nos últimos anos, gerando boatos nos edifícios envidraçados da Avenida Faria Lima de que Stuhlberger perdeu o “toque de Midas”. Clientes estão retirando dinheiro, reduzindo os ativos sob gestão da firma em mais da metade, forçando Stuhlberger a reestruturar sua equipe.
Nos últimos seis meses, ele assumiu diretamente a estratégia de ações locais da empresa, demitiu operadores e afastou o head do comercial, segundo fontes próximas que pediram anonimato para discutir assuntos internos.
Este é um momento difícil para os fundos multimercados brasileiros em geral. O aumento das taxas de juros e mudanças nas leis tributárias fizeram os investidores migrarem para títulos isentos de impostos.
Stuhlberger, que preferiu não comentar a reportagem, destacou essas dificuldades em aparições públicas recentes, afirmando em um podcast que “a proliferação de investimentos isentos é uma coisa exponencial. O país está em um processo de realocação de ativos.”
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Mas, no passado, ele sempre superou altos e baixos do mercado sem grandes problemas. Agora, ele está lutando para conter os resgates como qualquer outro gestor. Nos bastidores, seus concorrentes se regozijam. O schadenfreude (expressão alemã que pode ser traduzida em algo como sentimento de esquecer as adversidades dos outros) é palpável.
No entanto, entre os vários profissionais financeiros contatados para esta matéria, apenas um se dispôs a falar publicamente sobre o declínio da Verde.
“Stuhlberger ajudou a moldar a indústria como a conhecemos”, diz Christopher Galvão, analista de fundos da Nord Research. Entretanto, segundo ele, a Verde “não escapou ilesa” da recente onda de resgates de fundos multimercados.
Neto de imigrantes poloneses, Stuhlberger estudou engenharia civil na Universidade de São Paulo nos anos 1970, antes de se aventurar no setor financeiro. Ele se destacou no mercado de futuros e commodities enquanto trabalhava na corretora Hedging-Griffo e lançou seu fundo em 1997, com o apoio da casa.
Naquela época, a indústria de multimercados no Brasil ainda estava em seus primórdios e Stuhlberger começou de forma modesta, com R$ 1 milhão. Sua primeira grande aposta foi comprar dólares e esperar que o governo desvalorizasse o real, uma estratégia audaciosa que ele executou com convicção.
A desvalorização veio em 13 de janeiro de 1999 e, nas semanas seguintes, o dólar disparou mais de 50% em relação ao real, transformando Stuhlberger e seu pequeno fundo em uma sensação. “Vou surfar essa maxidesvalorização”, ele lembrou de ter pensado em uma entrevista anos depois. “E se eu fizer isso, o fundo ficará famoso.”
Famoso no Brasil, ao menos.
Embora tenha acumulado grandes acertos – como a aposta em uma recuperação do mercado após a crise financeira global de 2008 -, Stuhlberger nunca buscou os holofotes o suficiente para ganhar notoriedade em Nova York ou Londres, como fizeram contemporâneos como Arminio Fraga.
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Um figura estudiosa, frequentemente visto carregando um calhamaço de relatórios de análise, ele raramente participava de grandes conferências, recusava a maioria dos pedidos de entrevistas e limitava o tamanho de seu principal fundo.
No auge, em 2021, a Verde tinha R$ 55 bilhões sob gestão. O fundo Verde, que representa cerca de metade do total de ativos da gestora, registrou apenas sua segunda perda anual naquele ano. Foi quando as retiradas começaram – e vêm crescendo desde então.
Nos últimos anos, várias apostas de Stuhlberger deram errado: ele errou o momento da recuperação do mercado de ações dos EUA após o lockdown da Covid, não previu como os déficits crescentes nas contas públicas do Brasil afundariam os mercados locais, e até foi afetado por uma grande fraude corporativa – da Americanas (AMER3).
Esses erros reduziram os retornos do fundo ao nível do CDI nos últimos cinco anos, deixando-os apenas alguns pontos percentuais acima da média da indústria.
No final de setembro, os ativos da Verde haviam caído para R$ 20 bilhões. Stuhlberger alocou parte desse dinheiro em uma série de investimentos estratégicos. Em carta divulgada na semana passada, o fundo revelou que está apostando na alta do petróleo, valorização da rúpia indiana, queda do euro e do yuan chinês, e que a inflação será maior do que os operadores de títulos esperam tanto no Brasil quanto nos EUA.
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Enquanto isso, Stuhlberger tem um novo parceiro para ajudar a reverter a situação da gestora. Daniel Goldberg, ex-head do Morgan Stanley no Brasil e atual gestor da Lumina Capital, comprou uma participação minoritária na Verde em novembro.
As demissões começaram alguns meses depois. Alguns dos antigos escudeiros de Stuhlberger estavam entre os dispensados. No entanto, vários veteranos da Verde disseram que ele nunca delegou muito, especialmente quando se tratava de gerir o fundo principal. Ele sempre tomou as principais decisões de investimento, disseram.
E agora ele assumiu mais uma tarefa: falar publicamente. Ele tem dado mais entrevistas à imprensa local e respondido perguntas em podcasts sobre suas visões de mercado e a estratégia do fundo.
Há um antigo ditado do próprio Stuhlberger para isso, que ele escreveu anos atrás, quando a Verde ainda estava em seu auge e os brasileiros ricos faziam fila para investir no fundo – e o gestor permanecia a figura misteriosa e lendária de São Paulo.
“Quem ganha, ganha”, a Verde disse a seus clientes em uma carta de 2014. “Quem perde, explica.”