A cotação do dólar segue pressionada no Brasil. Mais cedo, a divisa chegou a tocar a marca recorde de R$ 6,20, mas perdeu força ao longo desta terça-feira (17) com o avanço do pacote fiscal no Congresso e leilões de dólares realizados pelo Banco Central (BC).
Ainda assim, a divisa fechou em alta de 0,1%, a R$ 6,0982, nova máxima desde a criação do Plano Real, em 1994.
Apesar do nível recorde e dos quatro anos seguidos em que o dólar não volta a ficar abaixo de R$ 4,59 — a última vez foi em 4 de março de 2020, quando a divisa fechou em R$ 4,58 —, essa não é a primeira vez na qual o ânimo dos investidores foi testado.
Em outros cinco momentos ao longo da história do real, o dólar teve picos expressivos em sua cotação.
Esses episódios foram marcados por mudanças no sistema de cálculo da taxa de câmbio, cenário político e crises econômicas nacionais e internacionais.
Mudança no câmbio
O trabalho do Banco Central é proteger a moeda brasileira. Defender o valor do real significa controlar a inflação, por tanto, o câmbio também entra no radar da autarquia.
Quando o real surge, em 1994, o BC era responsável por estabelecer as taxas de câmbio padrão.
A partir de 1999, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), banca um modelo para manter a estabilidade da economia brasileira: o tripé macroeconômico.
Esse suporte sustentaria o país com a perseguição de metas de inflação, responsabilidade sobre as contas públicas e um câmbio flutuante.
Ao adotar o regime de taxas flutuantes, a partir de 15 de janeiro de 1999, o BC não intervem diretamente para determinar o câmbio, definido pelo fluxo do mercado.
A lógica do sistema é simples, a da oferta e da procura: quando há escassez de moeda estrangeira, a taxa de câmbio sobe e a moeda local desvaloriza, e vice-versa.
Como visto nos últimos dias, o BC intervem pontualmente para manter a funcionalidade do câmbio, ao inserir dólares no mercado por meio de leilões.
Porém, à época, havia temores do que a mudança poderia significar para uma moeda ainda jovem.
“O grande temor era o que iria acontecer com as reservas internacionais. Elas passam a ser flutuantes junto com o câmbio, e aí a dívida internacional poderia dar default, porque ela agora estaria dependendo de uma cotação do dólar”, explica Paloma Lopes, economista da Valor Investimentos.
A depreciação do real se deu num salto no primeiro momento, mas não durou. O dólar passa os próximos dois anos cotado entre R$ 1,80 e R$ 2.
“Tinha-se a clara interpretação de que [o real] estava sobrevalorizado. Quando mudou o regime, com a alteração também da equipe econômica, a moeda flutuante foi buscar seu preço”, afirma Reinaldo Le Grazie, ex-diretor de Política Monetária do BC e sócio da Panamby Capital.
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Mudança de rota
Após uma série de tentativas frustradas, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava prestes a vencer sua primeira corrida ao Palácio do Planalto. No início daquele ano, a divisa estava cotada na faixa de R$ 2,30.
A mudança de rota drástica que haveria entre as duas administrações tensionou os investidores, os levando a recalcular também o curso da moeda. No pico, após o 1º turno da eleição presidencial, o dólar foi a R$ 3,50.
“Qualquer mudança de governo deixa os investidores nervosos por não saber qual vai ser a condução da política monetária e fiscal. Foi necessário um recálculo de quanto seria o dólar real, corrigido pela inflação. Antigamente, o Banco Central não era tão independente”, pontua Lopes.
Havia um temor se o tripé macroeconômico teria continuidade. O receio, porém, não se concretizou naquele momento.
“Quando o governo assumiu, manteve o câmbio flutuante, a responsabilidade fiscal e a política de meta de inflação; e então, houve reversão”, afirma José Ronaldo Souza Jr., professor de economia do Ibmec-RJ e economista-chefe da Leme Consultores.
Le Grazie ainda destaca a questão do “boom das commodities”, momento de valorização e de alta nas principais exportações do Brasil, o que jogou as reservas internacionais brasileiras para cima.
“Foi o grande impulso da primeira década desse século. Em 2007, acabamos recebendo o grau de investimento”, enfatiza o ex-BC.
Douglas Ferreira, diretor da mesa de câmbio da Planner Investimentos, reforça o ponto ao lembrar que “inflação controlada e a taxa Selic em queda contribuíram para o crescimento do país e ingresso de capital estrangeiro na nossa bolsa de valores. Tudo isso combinado manteve o real forte frente ao dólar neste período, que antecedeu a crise de 2008”.
Turbulências e pedaladas
Os demais momentos de pico do dólar se relacionam com grandes crises econômicas pelas quais o Brasil passou — direta e indiretamente.
Em 2008, o momento de alta generalizada do dólar pelo mundo veio com a crise financeira internacional, desencadeada após a falência de grandes bancos nos Estados Unidos, que enfrentavam a alta da inadimplência no país com a quebra do subprime, uma categoria de crédito ligada a maus pagadores.
Com a chegada de Dilma Rousseff (PT) ao Planalto, a pressão passou a ser mais interna.
“Desde 2012 a política econômica estava desequilibrada e, em 2014, o negócio desandou, se misturando à eleição que se aproximava. Em julho de 2015, o Brasil perdeu o grau de investimento, a instabilidade política cresceu e o fluxo ficou negativo”, relembra Le Grazie.
Do final de 2014 até 2016, o país passou por um período de forte recessão.
“Os desdobramentos da operação Lava Jato e as instabilidades do governo Dilma geraram um cenário parecido com o atual: alta taxa de juros, inflação acima do teto da meta e aumento do desemprego”, detalha Ferreira.
“Naquele momento havia muitas incertezas sobre o crescimento do país, que ia na contramão do mundo por conta dos problemas internos que o país enfrentava”.
E ao olhar em específico para a situação das contas públicas, os economistas ouvidos pela CNN notam similaridades entre o problema atual e o daquela época.
“O problema era similar ao que observamos agora, de descontrole fiscal. Economia trabalhando no limite, inflação pressionada, e esse problema fiscal grave. O agravante era a necessidade de reforma da Previdência e pouca perspectiva de realizá-la”, conclui José Ronaldo, do Ibmec.
Após a saída de Dilma e a posse de Michel Temer (MDB), em 2016, o dólar passou um período mais estável, na casa dos R$ 3,20.
A divisa voltou a subir ao longo de 2018, ano de mais uma eleição presidencial, esta na qual foi eleito Jair Bolsonaro (PL). Entre aquele ano e o começo de 2020, a moeda era cotada na faixa dos R$ 4.
Foi então, em 2020, com o início da pandemia da Covid-19, que a cotação voltou a saltar e, desde então, não aliviou mais.
“Houve um temor de descontrole fiscal, o governo precisava fazer transferência de renda. Houve disparada porque, apesar das reformas [da Previdência e trabalhista], a situação fiscal ainda era frágil”, pontua José Ronaldo.
O que (e como) o BC pode fazer para derrubar o dólar?
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