Há algumas semanas, participei de uma conversa com Bill Gates, junto a um pequeno grupo de repórteres, sobre as causas das mudanças climáticas e possíveis soluções para o problema. Quando entramos no assunto da quantidade de energia que a inteligência artificial consome, Gates se mostrou surpreendentemente otimista.
“Não vamos exagerar com isso”, disse, durante uma coletiva nos bastidores de um evento que estava organizando em Londres.
Os data centers de IA representam uma carga adicional relativamente pequena para a rede, disse Gates. Além disso, ele previu que os insights obtidos com a IA trarão ganhos em eficiência que em muito superarão essa demanda adicional.
Em suma, Gates disse que a impressionante ascensão da IA não impedirá o combate às mudanças climáticas. “Não é como dizer, ‘Ah, não podemos fazer isso porque estamos viciados em fazer sessões de chat’”, ponderou.
Essa é uma visão otimista de um bilionário com um interesse pessoal no assunto. Gates é um grande investidor em questões climáticas, é o ex-CEO da Microsoft e ainda é um importante acionista da empresa, que está no centro da revolução da IA.
E embora seja cedo demais para chegar a uma conclusão definitiva sobre o assunto, algumas coisas já estão claras: a inteligência artificial está tendo um impacto significativo na demanda global por energia, frequentemente contribuindo para um aumento nas emissões de aquecimento global, e não parece haver um fim à vista para essa tendência.
Os data centers de IA têm grande apetite por eletricidade. As chamadas unidades de processamento gráfico, ou GPUs, utilizadas para treinar grandes modelos de linguagem e responder às consultas do ChatGPT, consomem mais energia do que o microchip médio e geram mais calor.
À medida que mais data centers entram em operação quase todas as semanas, as projeções a respeito da quantidade de energia necessária para sustentar o crescimento da IA aumentam.
Um estudo revisado por pares sugeriu que a IA pode representar 0,5% do consumo global de eletricidade até 2027, o que equivale aproximadamente ao consumo anual da Argentina. Analistas da Wells Fargo indicaram que a demanda por eletricidade nos EUA pode aumentar em 20% até 2030, em parte devido à influência da inteligência artificial.
E a Goldman Sachs previu que os data centers representariam 8% do consumo de energia dos EUA em 2030, algo que hoje corresponde a apenas 3%.
“É um aumento potencialmente astronômico na carga”, avaliou Ben Inskeep, diretor do programa da Citizens Action Coalition, um grupo de vigilância do consumidor sediado em Indiana que monitora os impactos energéticos dos data centers.
Recentemente, a Microsoft, a Google, a Amazon e Meta anunciaram planos para construir novos data centers em Indiana, o que, segundo Inskeep, sobrecarregá a rede.
“Não temos energia suficiente para satisfazer as demandas projetadas dos data centers nos próximos cinco a dez anos”, disse. “Seria necessário um grande aumento na construção de recursos adicionais.”
Os gigantes da tecnologia estão lutando para controlar seu consumo de energia. Há uma década, essas mesmas quatro empresas têm estado na vanguarda dos esforços corporativos para abraçar a sustentabilidade.
Mas em poucos meses, as demandas energéticas da IA complicaram essa narrativa. As emissões da Google no ano passado aumentaram em 50% em relação a 2019, principalmente devido aos data centers e à expansão da IA. As emissões da Microsoft também saltaram pelas mesmas razões, um aumento de 29% no ano passado em relação a 2020. E as da Meta cresceram 66% de 2021 para 2023.
Em comunicados, a Google e a Microsoft afirmaram que a IA será fundamental para resolver a crise climática, e que estão trabalhando para reduzir suas pegadas de carbono e aumentar o uso de energia limpa na rede elétrica. A Amazon fez referência a um comunicado em que detalhou seus esforços de sustentabilidade.
Existem duas maneiras pelas quais as empresas de tecnologia podem atender à demanda: sobrecarregar a rede elétrica existente ou construir novas centrais elétricas. Cada uma dessas opções apresenta os seus próprios desafios.
Na Virgínia Ocidental, centrais elétricas a carvão que haviam sido programadas para desativação estão sendo mantidas em operação para satisfazer as necessidades energéticas de novos data centers na fronteira da Virgínia.
E por todo o país, empresas estão construindo novas infraestruturas de gás natural para apoiar as operações dos data centers. A Goldman Sachs prevê que “o aumento incremental no consumo de energia dos centros de dados nos EUA exigirá cerca de 3,3 bilhões de metros cúbicos adicionais de gás natural por dia até 2030, o que demandará a construção de nova capacidade de gasodutos”.
As exigências energéticas da IA só estão ficando mais intensas. Segundo relatos, a Microsoft e a OpenAI planejam construir um data center de US$ 100 bilhões. Relatórios iniciais indicam que ele pode consumir 5 gigawatts de energia, o equivalente à geração de cerca de cinco reatores nucleares.
E, à medida que as empresas constroem mais data centers, muitos dos chips que são fundamentais para a revolução da IA estão consumindo cada vez mais energia. A Nvidia, líder em chips de IA, apresentou recentemente novos produtos que consumirão exponencialmente mais energia da rede.
O boom da IA está gerando grandes lucros para algumas empresas. E ainda pode proporcionar avanços que ajudem a reduzir as emissões. Mas, pelo menos por enquanto, os data centers estão fazendo mais mal do que bem para o clima.
“Isso definitivamente é muito preocupante em um momento em que estamos tentando fazer a transição da nossa rede atual para a energia renovável”, disse Inskeep. “Acrescentar uma enorme carga nova em cima disso representa uma grave ameaça a essa transição.”
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