A confirmação ontem do congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), durante a divulgação o relatório bimestral de acompanhamento de receitas e despesas primárias foi considerada por economistas como uma medida positiva, porém insuficiente para que as contas públicas tenham o conforto necessário no sentido do cumprimento das metas fiscais.
Além de a contenção de gastos ter sido bem inferior à necessárias, os especialistas destacaram que o governo tem mantido suas projeções de receitas superdimensionadas. Eles não descartam que uma volta em breve de discussões a respeito da mudança da meta de resultado primário.
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Para a equipe de análise macro da XP, o anúncio foi apenas um pequeno passo de um longo caminho a percorrer. O relatório destaca que , desde o início do ano, o governo optou por fazer pequenos ajustes em cada relatório bimestral, tanto do lado das receitas como das despesas.
“Na nossa opinião, o relatório bimestral de julho revelou progressos do lado das despesas (embora ainda haja necessidade de um grande ajuste na seguridade social), o que deverá reduzir a pressão para maiores bloqueios em relatórios futuros”, comenta a XP.
Por outro lado, as projeções de receitas continuam acima das nossas expectativas, segundo a análise. “Não houve entrada significativa de recursos provenientes do CARF, de operações tributárias ou de subvenções de ICMS no primeiro semestre deste ano, portanto é improvável que haja uma mudança significativa nesta tendência nos próximos meses”, alertam os economistas.
“Esperamos que esse movimento gradual de ajuste continue nos próximos relatórios, com ênfase nas medidas de arrecadação tributária. Por enquanto, nossas estimativas de um déficit de R$ 54,3 bilhões (0,6% do PIB) para 2024 permanecem inalteradas”, estimam.
Para os próximos meses, a XP diz que será fundamental observar fatores como se as medidas compensatórias relativas à desoneração de folhas de pagamento de setores e municípios serão aprovadas no Congresso. Além disso, será preciso prestar atenção às concessões ferroviárias e as subvenções de ICMS, CARF e operações tributárias.
“Acreditamos que o governo não conseguirá atingir a arrecadação estimada de impostos, portanto será necessário um novo corte de gastos – ou uma mudança na meta do saldo primário. Além disso, será fundamental observar atentamente o desempenho dos benefícios da seguridade social, o que poderá aumentar a pressão sobre o quadro fiscal, exigindo novos bloqueios de despesas”, afirma o relatório.
Sem conforto
A opinião de Tatiana Pinheiro, economista chefe de Brasil da Galapagos Capital, é similar. Ela também afirma que o contingenciamento de R$ 15 bilhões é inferior ao necessário. “Na nossa avaliação, o governo continua superestimando a arrecadação, de R$ 38 bilhões superior à nossa estimativa. Já revisão feita em despesas foi mais realista. Nossa estimativa de contingenciamento necessário é de R$ 33 bilhões”, calcula.
Já Jeferson Bittencourt, chefe de macroeconomia do ASA, comenta que, apesar da sinalização de um volume não desprezível de despesas discricionárias contingenciadas e bloqueadas, o 3º Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas não trouxe o conforto esperado.
Ele detalha que, pelo lado do limite de despesa, de onde se esperava mais avanços em direção a um cenário mais realista, houve um ajuste expressivo na despesa com BPC (+R$ 6,4 bilhões). Mas que, por outro lado o ajuste da despesa de previdência foi mais tímido (+R$ 5,3 bilhões).
“Principalmente considerando que não foi explicitado qual tem sido a efetividade das medidas de revisão de gastos previdenciários que constam nas projeções desde a PLOA, economizando até R$ 9 bilhões. Isso sinaliza que há chances de pressões sobre o limite de gastos nas novas avaliações”, estima.
Pelo lado do reconhecimento das frustrações de receita, Bittencourt detalha que o contingenciamento de R$ 3,8 bi já indicava ajustes mais modestos pelo lado da arrecadação.
“Contudo, a não revisão da projeção para o ano da arrecadação com o voto de qualidade do CARF, com transações tributárias e com a renovação de concessão de ferrovias dão a entender que nos próximos bimestrais, ou mesmo antes, a discussão da mudança da meta pode voltar à mesa”, alerta.
Rafaela Vitória, economista chefe do Inter, considera que, na terceira avaliação do ano, o governo reconheceu o acelerado crescimento dos gastos obrigatórios bem acima do orçamento, que já soma R$ 54 bilhões em relação à LOA 2024. “Ainda assim, o bloqueio e contingenciamento parecem ser insuficientes para o cumprimento da meta, perto da tendência de aumento observada até maio. “
Na sua avaliação, caso não haja reversão na tendência observada, tanto pela evolução da despesa como receita, o governo caminha para um déficit de R$ 85 bilhões e não R$ 61 bilhões como o apresentado.
“O fato de o governo trabalhar com o teto da meta e contar com empoçamento de despesas para o cumprimento do arcabouço, mostra a dificuldade na execução de um Orçamento que tem sido criticado pela sua superestimação, o que reduz a transparência na apresentação das contas públicas, com impacto direto na credibilidade do arcabouço”, explica.
Rafaela alerta que o problema é ainda maior para 2025, quando a meta é novamente zerar o déficit primário e quando o governo não contará com as receitas adicionais desse ano, além da clara exaustão no Congresso e na sociedade em relação a novos aumentos de impostos.
“Sem um controle mais amplo do crescimento das despesas, incluindo uma revisão devida e atrasada de programas sociais, caminhamos para um provável aumento do déficit primário no próximo ano.”