SÃO PAULO – Na segunda-feira, o mercado se surpreendeu negativamente com a notícia de que o governo enviou a proposta de Orçamento do governo com um déficit pela primeira vez na história, por não ter conseguido recriar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e ter uma arrecadação bem abaixo da esperada, resultado da crise.
O governo, inclusive, ressaltou a transparência e realismo ao mandar a proposta para o Congresso, destacando assim o “lado positivo” da notícia tão ruim para os mercados. Contudo, muitos analistas já veem esse cenário como otimista demais pelo governo.
Aliás, o Congresso encontrou novos buracos no Orçamento e quer que o governo assuma a responsabilidade, como destaca o Primeiras Leituras de hoje. Faltou prever, por exemplo, R$ 1,5 bilhão para as emendas parlamentares e R$ 1,9 bilhão para ressarcimento aos estados pelas isenções da Lei Kandir, a renúncia de ICMS nas exportações. Assim, o déficit previsto, de R$ 30,5 bilhões, pode ser ao menos 3,4 bilhões maior. E, conforme destaca reportagem do jornal O Globo de hoje, o rombo pode dobrar e chegar a R$ 70 bilhões.
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Vale ressaltar que, no dia 22 de julho (ou seja, há pouco menos de um mês), os ministros da Fazenda Joaquim Levy e do Planejamento Nelson Barbosa, estavam em uma situação parecida ao anunciar a redução da meta de superávit de 2015 de 1,13% para 0,15% do PIB e, para o ano que vem para 0,7% do PIB. Agora, a meta foi reduzida mais uma vez.
As incertezas, desta forma, continuam. A primeira incerteza sobre o cenário desenhado pelo governo refere-se à expectativa de variação do PIB (Produto Interno Bruto) que foi colocada pelo governo em relação às expectativas do mercado. O governo vê um leve crescimento de 0,2% para o ano que vem, enquanto o Focus acredita em uma queda de 0,4% em 2016.
Assim, segundo a equipe econômica do Credit Suisse, o governo está muito otimista. A expectativa do banco suíço é de uma contração de 0,8% na economia. Além disso, o déficit nominal não deve atingir os níveis estabelecidos pelo governo de 2,5% do PIB em 2019, acreditam os economistas. “Assim, esperamos que novas revisões em baixa das metas fiscais”, ressalta o Credit.
A LCA Consultores aponta outros fatores de incertezas: a segunda fonte de otimismo do governo diz respeito ao volume de receitas oriundas de vendas de ativos, que segundo a proposta do governo serão de R$ 27,3 bilhões em 2016 enquanto que, nbeste ano, o governo espera arrecadar apenas R$ 3 bilhões com a venda de ativos.
“O governo listou as vendas da folha de pagamentos e de participações acionárias. A melhora na cobrança da Dívida Ativa da União também foi citada. Faltaram os detalhes das empresas envolvidas nessas vendas, do volume de folha de pagamentos que poderá ser leiloado, entre outros. Além disso, o momento negativo do mercado de capitais para a venda de ações excedentes de estatais aumentam as incertezas dos investidores”, ressaltam os economistas.
A LCA Consultores ainda destaca que uma terceira fonte de incerteza está relacionada à ampliação do programa de concessões, que poderá render R$ 10 bilhões. O governo não deu detalhes de quais serão os setores a serem incluídos no programa de concessões.
O governo anunciou a elevação do PIS/Cofins sobre computadores, tablets e smartphones, como o Imposto de Renda sobre o direito de imagem e o IOF sobre as operações de crédito do BNDES. A expectativa de ganho será de R$ 11,2 bilhões. “Fica a dúvida se o Congresso aprovará o aumento de impostos das duas primeiras medidas”, ressalta a LCA. “Assim, a queda da receita total de 22,8% do PIB em 2015 para 22,4% do PIB no próximo ano poderá ainda ser maior que a projetada pelo governo”, afirma.
Enquanto isso, do lado das despesas, o governo trabalha com estabilidade como proporção do PIB dos gastos discricionários de 4,0% do PIB. Já as despesas obrigatórias seguem em alta 19,4% do PIB em 2016, contra 19% neste ano. As despesas obrigatórias do Tesouro Nacional correspondem a quase 80% da Despesa Total. Um pouco mais que a metade desse percentual se refere à Previdência Social (40,6%), cujo déficit crescerá de 7,5% do PIB neste ano para 7,9% em 2016. “O governo não deu sinais claros de como irá reverter essa situação no médio prazo”, avalia. Enquanto isso, nas despesas discricionárias, chama a atenção o aumento de pouco mais de 20% dos gastos do PAC para R$ 42,4 bilhões em 2016.
“Dificilmente o Congresso irá adotar medidas que melhorem a confiança dos investidores na política fiscal do governo Dilma. Assim, a perda do grau de investimento ganha cada vez mais probabilidade”, ressalta a LCA.
Déficit deve ser ainda maior
A visão é corroborada pela equipe do Credit Suisse que, inclusive, projeta um déficit de 0,5% em 2015 de 0,8% em 2016, com a dívida bruta do governo geral ultrapassando 70% do PIB no mesmo ano. Já a equipe do Itaú Unibanco reduziu sua expectativa de superávit primário de 0,2% para déficit de 1% do PIB em 2016. “Os gastos mais elevados irão produzir um resultado primário abaixo da meta de -0,34%, porque a receita tende a frustrar as expectativas contidas no Orçamento”, disse o economista Luka Barbosa em relatório.
Tendo em vista os obstáculos claros para a entrega do ajuste fiscal necessário, as possíveis consequências são, segundo o Credit: um rebaixamento do rating da dívida soberana do Brasil para um nível abaixo do grau de investimento em 2016 ou início de 2017 pode tornar-se o cenário de base, como a revisão em baixa da meta de equilíbrio fiscal para 2016.
Soma-se a isso que a antecipação de um rebaixamento provavelmente seria seguido por depreciação adicional do real, deterioração das expectativas de inflação e taxas possivelmente com preços mais elevados para a curva de juros. Consequentemente, a rolagem da dívida pública pode se tornar mais custosa, não só no curto prazo, mas com a retomada do ciclo de aperto em 2016 tornando-se agora uma possibilidade real, até mesmo para prazos superiores a cinco anos.