SÃO PAULO – O Brasil não deve registrar superávit primário ao longo da próxima década e pode ver sua dívida bruta superar a marca de 100% do Produto Interno Bruto até 2030 – muito superior à de outros países emergentes. A avaliação é da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, que em seu cenário base indica uma sequência de ao menos 17 anos de contas desequilibradas.
Pelas perspectivas do órgão, a dívida bruta do governo geral deve encerrar a década em 103,4% do PIB. O cenário base considera crescimento de 3,0% em 2021 – ante 2,8% estimados em novembro –, de 3,4% em 2022 – mesmo patamar do último relatório –, e 3,2% em média entre 2023 e 2030.
A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no cenário base, seria de 3,2% neste e no próximo anos, e teria uma média 3,0% nos outros sete anos. A taxa básica de juros (Selic), por sua vez, foi estimada em 2,75%, 4,25 e 5,9% nos respectivos períodos. Os dados constam do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF).
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No cenário pessimista, o endividamento poderia subir mais de 40 pontos percentuais, para 135,2%. Neste caso, a avaliação seria de um crescimento econômico de 2,4% em 2021, 1,3% em 2022 e média anual de 1,3% de 2023 a 2030. A inflação ficaria em 3,9% neste ano, 4,0% no seguinte e teria uma média de 4,3% até o fim da década. A Selic poderia atingir a média de 9,4% nos últimos sete anos.
Já no quadro otimista, a dívida bruta poderia iniciar um recuo a partir do ano que vem e chegar a 74% em 2030. As respectivas projeções para crescimento seriam: 4,0%, 3,2% e 3,5%. E da inflação, 3,2%, 3,2% e 3,0%, na mesma ordem. A Selic poderia girar em torno de 5,9% entre 2023 e 2030.
A IFI vê maior clareza no horizonte fiscal para 2021, mas chama atenção para a persistência de fatores de incerteza quanto à recuperação da economia brasileira, sobretudo associados à evolução da pandemia do novo coronavírus no país e o andamento do programa de imunização contra a doença.
A instituição reduziu o risco de rompimento do teto de gastos neste ano de elevado para moderado, após as sinalizações do relator da PEC Emergencial, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), de que pretende deixar o novo auxílio emergencial fora da regra fiscal – o que, embora mantenha impacto significativo para as contas públicas, oferece um alívio para o cumprimento das metas estabelecidas. O benefício deverá ser pago por crédito extraordinário e sem necessidade de obedecer às regras fiscais.
“O gasto, que ainda não se sabe o tamanho, vai ser realizado sem prejuízo do cumprimento das regras fiscais”, afirma o economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI. “O que acontece é que na economia não basta apenas a questão contábil, o gasto vai acontecer”.
A IFI estima que o governo gaste R$ 34,2 bilhões com a nova rodada do benefício – seriam R$ 45 bilhões, mas com o uso de R$ 10,8 bilhões do Bolsa Família. No cenário base, o programa duraria mais quatro meses e teria 45 milhões de contemplados. As parcelas seriam de R$ 250 – o que demandaria complementação no caso dos beneficiários do Bolsa Família, que recebem em média R$ 190 mensais.
“O governo hoje provavelmente tem maior controle a respeito desses dados, em razão da experiência do ano passado, e provavelmente deve conseguir ter uma melhor capacidade de previsão desse gasto para 2021”, pontua o economista.
Também são previstos pelos economistas gastos de R$ 20 bilhões com a compra de vacinas e R$ 10 bilhões com outras despesas para o enfrentamento à Covid-19. Assim como no caso do auxílio emergencial, os recursos estariam à margem das regras fiscais. Também geraram alívio para as contas a desaceleração no crescimento de despesas como benefícios previdenciários e assistenciais.
“Apesar da mudança, a ainda situação é bastante intrincada. Claro que se esses R$ 34 bilhões do auxílio estivessem dentro do teto, o risco de rompimento seria muito elevado, certamente seria preciso encontrar uma saída para isso. A PEC apresentada hoje copia a saída do ano passado, que é retirar essas despesas do teto de gastos”, diz Salto.
O movimento tornou mais previsível o cumprimento do teto de gastos em 2021. Para 2022, ano eleitoral, a elevada inflação registrada no segundo semestre do ano passado e prevista para os primeiros meses deste ano devem abrir espaço fiscal para um exercício mais folgado do governo. A correção do teto de gastos é feita com base no IPCA acumulado em 12 meses contados até julho do ano anterior ao exercício.
A dinâmica dos preços faz com que o risco de rompimento do teto de gastos persista como moderado até 2025, segundo avaliação da IFI. A partir deste ano, a evolução das despesas obrigatórias deverá gerar pressão sobre o Orçamento de modo a colocar as despesas discricionárias significativamente abaixo do mínimo necessário para o funcionamento da máquina pública.
“O risco de rompimento é elevado a partir de 2025, já que as discricionárias podem ficar bem abaixo do que se estima como o mínimo necessário. De 2025 para 2026, passamos a ter uma despesa sujeita ao teto 0,1 ponto percentual superior ao teto de gastos, o que configura risco alto de rompimento. Se fosse um dado realizado, poderíamos dizer que seria o rompimento do teto”, pontua Salto.
Ou seja, para que o teto de gastos seja cumprido, seriam necessárias medidas que justamente atacassem as despesas obrigatórias. Esta é uma das bandeiras do ministro Paulo Guedes (Economia) e é abordada na PEC Emergencial. O texto, porém, foi desidratado ao longo dos meses e agora a tendência é de aprovação de pontos com impacto brando, já que há pressa na viabilização do novo auxílio emergencial.
Na avaliação de Salto, a estratégia de discutir simultaneamente um programa de ajuste fiscal com instrumentos polêmicos e a prorrogação do auxílio emergencial envolve uma costura política complexa.
Um dos pontos em discussão, a retirada da Constituição dos gastos mínimos nas áreas de Saúde e Educação, por exemplo, deve enfrentar dificuldades para ser aprovado.
“A desvinculação é uma questão bastante intrincada”, observa.
“Se imaginarmos que o auxílio é uma despesa emergencial, é difícil imaginar um texto mais ousado para esse ajuste fiscal de médio prazo, porque as duas coisas foram vinculadas”, analisa.
Transparência
Durante coletiva à imprensa, Salto também analisou os efeitos da recente decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de zerar, por dois meses, os impostos federais sobre o diesel, em uma tentativa de mitigar o aumento dos preços dos combustíveis nos postos de gasolina – e assim conter a pressão dos caminhoneiros sobre o governo.
Pelos cálculos da IFI, a medida tem custo de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões sobre os cofres públicos, caso não seja posteriormente prorrogada.
“Isso parece pouco, em termos absolutos, quando vemos os principais agregados do gasto público federal, porém, é significativo, porque a margem fiscal é muito apertada e os anúncios vão sendo feitos sem o acompanhamento das medidas compensatórias”, diz.
“O governo pode dizer que a receita está subestimada na LDO e que a LOA vai ter R$ 3 bilhões a mais de receita e que isso compensaria a redução de PIS/Cofins [sobre o diesel e o gás de cozinha]“, sugere. Para o economista, é necessária maior transparência por parte do governo federal na indicação das medidas compensatórias.
Apesar de evitar entrar no mérito da questão, Salvo vê potenciais impactos macroeconômicos sobre as recentes decisões de Bolsonaro envolvendo a Petrobras.
“Sob o ponto de vista do mercado, da percepção de risco, o que também afeta os cenários macroeconômicos (em última instância, juros e câmbio também), um quadro de maior intervenção, incerteza e falta de transparência prejudica o cenário macroeconômico e terá indiretamente implicações fiscais”, afirma.
Na última sexta-feira (19), Bolsonaro anunciou a substituição do atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, que comandava a usina de Itaipu. O movimento foi entendido por investidores como sinal de interferência na companhia. As ações da Petrobras acumularam queda de mais de 20% em dois pregões e a empresa perdeu R$ 102 bilhões de valor de mercado.