SÃO PAULO – Oficializado como Dia Internacional da Mulher em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o dia 8 de março abre espaço para discussões cada vez mais profundas sobre o papel da mulher na sociedade. E esse debate não poderia deixar de estar presente no mundo financeiro.
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Todos os anos, por ocasião da data, nos debruçamos sobre os dados de participação crescente, porém pouco expressiva, das brasileiras no mercado financeiro.
Para se ter uma ideia, no Tesouro Direto, o número de investidores cadastrados no programa (que não necessariamente investem em títulos públicos) aumentou nove vezes do fim de 2015 para dezembro de 2019, chegando a 5,6 milhões de investidores. A participação feminina, contudo, cresceu em menor ritmo, de 22,4% para 31,4% da base.
Na Bolsa, embora o número de CPFs de investidores esteja em ritmo de expansão contínua desde 2015 e tenha se multiplicado em mais de três vezes do período até 2019, a fatia de mulheres ficou praticamente estagnada no patamar dos 23%.
O fato é que dados de investimentos segregados entre homens e mulheres ainda são restritos no Brasil. Os números disponíveis dão uma sinalização, mas não contam a história completa dessa participação por gênero, especialmente levando-se em consideração que, historicamente, muitas das decisões de uma família ficam concentradas na figura masculina (ainda que o patrimônio pertença ao casal).
Para discutir esse tema, debater as diferenças entre homens e mulheres nos investimentos e os caminhos para a maior isonomia no mercado, o InfoMoney conversou com Claudia Yoshinaga, professora de carreira na Fundação Getulio Vargas e coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP.
Com atuação nas linhas de pesquisa de finanças comportamentais, investimentos e finanças corporativas, Claudia chama atenção para a existência ainda hoje de um estereótipo de que finanças não são para as mulheres.
“Esse é um viés que tem que ser conscientemente combatido, porque tem um pouco do lado histórico, talvez a gente nem perceba e ele corra de maneira inconsciente. E eu vejo isso em todas as classes socioeconômicas, não faz muita diferença. Não é incomum ver mulheres das classes A ou C achando que finanças não são para elas”, diz a professora.
Para Claudia, ainda que, racionalmente, não faça sentido diferenciar as abordagens em cursos e recomendações de investimentos entre homens e mulheres, ações mais focadas podem surtir efeitos no aspecto emocional.
“Considerando que as mulheres vão ter potencialmente o traço de serem mais receosas, menos confiantes, um material e discussões voltadas especificamente para elas podem deixá-las mais confortáveis.”
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
As diferenças entre homens e mulheres ao investir
Diversos estudos já mostraram que, em algumas dimensões, as mulheres são diferentes dos homens. Uma das questões que talvez seja das mais influentes na decisão de investimentos é a de confiança. Existem vários estudos que mostraram que homens são bem mais confiantes que mulheres.
Quando olhamos para as estatísticas de investimentos mais agressivos, vamos ver muito mais predominância de homens investindo em ativos mais arriscados, o que não é necessariamente ruim para as mulheres, porque tivemos outra pesquisa que olhou para a quantidade de negociações feitas e o impacto no desempenho da carteira de homens e mulheres.
O resultado encontrado foi que os homens negociavam muito mais vezes, comprando e vendendo ações, que as mulheres. Em parte, por conta desse excesso de confiança. No fim das contas, quando tirávamos os custos de transação, as carteiras das mulheres tinham retornos melhores.
Esse é um pano de fundo importante, mas outro que não pode ser perdido nessa história é de que mulheres investem, em média, valores menores do que homens, o que merece uma discussão bem importante.
Mais gastos e menos renda
Para discutir quanto é que se investe precisamos falar sobre quanto as mulheres ganham e quanto gastam, e o quanto sobra para investir.
Temos para lá de documentado e bastante discutido o famoso gap de salários que existe entre homens e mulheres, e temos um buraco muito mais sério que é discutir a progressão de carreiras dessas mulheres. Existem diversas estatísticas mostrando que, a medida que subimos na escala organizacional da empresa, a proporção de mulheres diminui muito.
Quando estivermos falando de gerência, diretoria e, em última instância, de conselho, temos um percentual muito menor de mulheres ocupando esses cargos. Então uma parte da evidência é que mulheres progridem menos na carreira, o que vai impedi-las de ganhar mais, o que tem impacto sobre o valor que sobra para investir.
E, nos custos, uma das coisas sobre as quais temos que falar das despesas da mulher é a “pink tax” [diferença de preços baseada em gênero]. Quando vemos inúmeros produtos teoricamente voltados para o mercado feminino, como uma caneta florida ou um balde rosa, com um custo maior do que outro equivalente de qualquer outra cor, começamos a observar que, na média, além de ganharem menos, as mulheres gastam mais. No final das contas, também ajuda a explicar porque sobra menos.
Decisões nas mãos deles
Falando de comportamento, algo que é muito comum historicamente é a ideia de que decisões financeiras ficam mais nas mãos dos homens. Quando pensamos em núcleos familiares, quando há um investimento a ser feito, estamos falando de decisões que são historicamente muito centradas em homens.
Então quando vamos olhar decisões financeiras tomadas por homens e mulheres, nem sempre estamos vendo decisões tomadas de fato pelas mulheres. O dinheiro não é necessariamente administrado pelas mulheres. Esperamos que, com essa nova geração, isso comece a mudar um pouco, talvez na onda de maior empoderamento, o que também inclui decisões financeiras.
Como reduzir a diferença de gênero nos investimentos
Toda discussão sobre progressão de carreira e licenças que incluam os homens pode ser um jeito de tentar diminuir parte do problema trazido por esse teto de vidro. É um jeito talvez muito mais normativo nesse sentido. Discute-se que muita coisa tem que vir por algum tipo de regulação, como vagas para mulheres em conselhos.
Outro ponto importante vem do lado da conscientização, da educação, mas talvez os resultados sejam muito difíceis de serem percebidos. Não há dúvidas de que, nos últimos dez anos, a quantidade de informação disponível sobre finanças e investimentos para o público feminino cresceu, mas ainda não conseguimos de fato ver os resultados no lado prático, dos números.
Os principais erros de investidores
Um deles, que muita gente está vivendo agora, é a reação exagerada, o overreaction. Por conta dos acontecimentos atuais, com essas chacoalhadas consideráveis na Bolsa, muita gente que entrou no passado recente no mercado e só tinha se deparado com épocas de notícias mais positivas que negativas talvez tenha reagido mal. E a tendência normal das pessoas é que, quando recebem uma notícia ruim, não levam uma ação a cair, mas a despencar. E essa reação exagerada, se a pessoa tiver mais desespero ou falta de preparo, pode levá-la a realizar perdas, vender suas ações, na pior hora possível.
Esse é um ponto que tem acontecido e que talvez exista uma preocupação no próprio mercado financeiro de que as pessoas não se precipitem tanto. Temos visto a repercussão da própria fala do Warren Buffett, de que, se você comprou ações, não é para se chocar e ficar desesperado com uma variação que está acontecendo em função de alguma coisa que deve passar. (leia mais aqui)
Se você pensa que renda variável é um investimento para o médio e o longo prazo, não deveria se apertar com essas notícias. E o mercado tem tentado repercutir muito essa ideia, principalmente porque começamos a ter um aumento considerável de investidores individuais na Bolsa. Existe a preocupação de que esse investidor, vendo essa queda muito grande, resolva sacar tudo e numa hora extremamente negativa.
A falta de confiança feminina em momentos de estresse
Em muitos casos, o fato de ser mais avessa ao risco vai ajudar a mulher, porque ela ponderaria muito mais fazer algum tipo de investimento ou movimento bruscamente. E é nessa linha que se discute o quanto empresas de maneira geral se beneficiariam mais com diversidade.
Falando especificamente de conselhos [de administração], por serem mais avessas a riscos, a contribuição de mulheres tende a ser muito mais saudável, porque elas tendem a ser mais diligentes no processo de tomada de decisão. Até por serem menos confiantes, para tomar uma decisão, via de regra, vão se embasar e pesquisar mais, então a probabilidade de ser uma decisão mais ponderada é maior.
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