Os últimos dias do ano costumam trazer uma dose de nostalgia e a pergunta: “o que eu deveria ter feito diferente?” Segue-se a isso, listas e listas do que fazer no ano seguinte. Se na sua lista constam metas sobre organização financeira e fim das dívidas, é possível que você encontre o que procurava nas próximas linhas.
Panorama geral
Quem está endividado, não está sozinho. Nos primeiros meses da pandemia, o Brasil teve um salto no número de inadimplentes. Dados do Serasa mostram que o pico da inadimplência ocorreu em abril de 2020, com quase 66 milhões de pessoas com dívidas em atraso.
Segundo Fernando Gambaro, especialista da Serasa Experian, ações como a Medida Provisória que limitou algumas negativações e a maior restrição ao crédito ao longo de 2020 conseguiram reduzir os atrasos nas contas dos brasileiros.
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No entanto, outubro de 2021 voltou a registrar níveis de inadimplência quase iguais aos do pico do ano passado, com 63,4 milhões de pessoas inadimplentes e R$ 253,6 bilhões de dívidas em atraso.
De acordo com a Serasa, em que pese a baixa renda média do brasileiro e a falta de educação financeira, o principal motivo da inadimplência atual é o desemprego no país. Diante do cenário de juros e inflação em alta e com a economia ainda retraída, o que fazer para organizar a vida financeira e se livrar de dívidas?
Aspectos financeiros e comportamentais
Para Mauro Calil, fundador do canal de educação financeira do YouTube Academia do Dinheiro, há dois motivos básicos que justificam o excesso de endividamento.
O primeiro, sem dúvida, é o agravamento da crise, que fez com que muitas pessoas reduzissem os seus rendimentos ou, até mesmo, perdessem a sua fonte de renda. O segundo é o consumismo por si só, que tem efeito tão devastador quanto o primeiro no orçamento doméstico.
“Muitas vezes, não importa o quanto as pessoas recebam. Elas simplesmente sempre gastarão mais do que as suas fontes de renda”, diz o educador financeiro.
Calil ainda observa que o consumismo é o único vício que, não só é socialmente aceito, como melhora a aceitação social.
“Quando a pessoa é alcoólatra ou toxicômana, por exemplo, passa a ser gradativamente menos aceita na sociedade. Já se ela é viciada em consumir, usa roupas e carros melhores, frequenta lugares mais caros, viaja para lugares interessantes, tudo isso aumenta a sua aceitabilidade na sociedade. Por isso, é bastante comum que ostentação e conta bancária negativa andem lado a lado”, diz.
Já Eliane Tanabe, planejadora financeira e fundadora da Splendys Planejamento Financeiro, costuma fazer uma analogia da vida financeira com reeducação alimentar e bons hábitos de saúde.
“Para manter a saúde, você sabe que precisa fazer exercícios e ter uma alimentação saudável. No entanto, mesmo sabendo, muitas pessoas não fazem isso e, quando têm problemas, buscam o auxílio de profissionais da saúde. Na vida financeira, a lógica é a mesma. Você sabe que, se gasta mais do que ganha, terá problemas em algum momento. Mas isso não impede muitas pessoas de se endividarem além de suas condições. Normalmente, é nesse momento que acabam buscando um planejador financeiro”, conclui.
O descontrole financeiro faz com que muitas pessoas desconheçam não só os seus gastos, mas também a sua renda. Segundo Eliane, “para muitos, falta consciência do quanto custa a sua própria vida. E cuidar da vida financeira dá trabalho, da mesma forma que fazer exercícios físicos ou ter uma rotina saudável. Com o tempo, o descuido financeiro invariavelmente se torna uma bola de neve, pois os juros compostos contra o seu bolso são muito mais velozes do que a favor”.
Terapia financeira
Dra. Vanise Zimmer, psicóloga, doutora em Engenharia da Produção e presidente do banco digital ElasBank, fala sobre a Psicoterapia Financeira, que tem sido muito procurada na busca por um maior controle dos gastos e eliminação da compulsão por consumo.
Segundo Vanise, vários são os motivos pelos quais os clientes procuram esse tipo de auxílio. “Seja porque desejam ter uma vida financeira mais equilibrada, sem endividamentos, ou para conseguir guardar dinheiro para fazer uma reserva. Há também as pessoas que sofrem de compulsão por consumo, e aquelas que precisam reduzir a ansiedade associada aos investimentos. E há casos em que, simplesmente, deseja-se criar maior entendimento e engajamento do parceiro nas finanças familiares”, observa a presidente da ElasBank.
Vanise ainda reforça que as pessoas, além de se preocuparem com o financiamento do futuro, querem deixar de sofrer por dinheiro e se sentir realizadas financeiramente tanto no curto, médio e longo prazo. Esses são alguns dos pontos trabalhados pela psicoterapia financeira.
A Psicoterapia Financeira é um novo campo da Psicologia. Ainda existem poucos estudos sobre a sua eficácia, mas uma pesquisa realizada pela Universidade Kansas State University, em 2018, mostrou que 13 casais que aprenderam técnicas de relacionamento com o dinheiro relataram se sentirem mais felizes e menos estressados com as finanças. Além disso, houve significativa redução dos conflitos associados a questões materiais.
Algumas pessoas como Sheri Reid Grant, para quem o dinheiro tomou proporções gigantes na vida, estão convencidas sobre a importância de usarem a Psicoterapia Financeira para tratar a disfunção com o dinheiro. A bilionária, que usa a Psicoterapia Financeira, comenta: “Sinto uma enorme responsabilidade de quebrar as cadeias da disfunção familiar em torno do dinheiro, em vez de passá-las para meus filhos”.
Para busca algum tipo de aconselhamento financeiro feito por psicólogos, Vanise Zimmer destaca algumas vantagens como aprender a poupar e investir conquistando uma aposentadoria sustentável e adequada às necessidades, e o desenvolvimento de uma maior consciência sobre os riscos das decisões financeiras.
Para Vanise, a chave está em recriar possibilidades para o futuro. “Acredito que, para ganhar mais dinheiro, você não precisa trabalhar mais. Em vez disso, deve identificar e priorizar os seus comportamentos que geram riqueza e bem-estar.”
Outros entraves para o planejamento financeiro
Além da baixa renda, desemprego e distúrbios comportamentais, Eliane Tanabe aponta também outras questões que contribuem para o descontrole financeiro. Uma delas tem a ver com o histórico de poupança e consumo do brasileiro.
Para Eliane, um dos motivos da baixa maturidade financeira no país é o fato de termos vivido décadas de altíssima inflação. “Naquela época, o brasileiro não conseguia planejar nada. Simplesmente recebia o salário e precisava correr para o supermercado para fazer render o dinheiro, pois não tinha como saber se conseguiria comprar a mesma coisa no mês seguinte. Com o Plano Real, o brasileiro, finalmente, começou a ter a experiência de consumir sem ver o dinheiro se esvair”, relembra.
Ou seja, a falta de cultura de educação financeira também é um grande problema no Brasil quando pensamos em planejamento financeiro. Segundo Eliane, a educação financeira é um processo lento. “Parece fácil, e muitos pensam que conseguem fazer do seu jeito, mas não é tão simples assim. Tanto é que, fora do Brasil, existe graduação, especialização, doutorado e pós-doutorado em Personal Financial Planning”, observa.
Outro fator nocivo às finanças apontado pela planejadora financeira são decisões equivocadas que as pessoas tomam, por desconhecimento ou desespero mesmo. “Quando chega um boleto e não há dinheiro para pagá-lo, alguns começam a utilizar outros canais de crédito, como cheque especial ou o limite do próprio cartão de crédito. Em algum momento, as dívidas irão se acumular e as coisas se perdem”, observa.
Por onde começar o planejamento financeiro
Para Eliane, o primeiro passo é a conscientização de que a pessoa precisa de auxílio profissional para reequilibrar as finanças, e que os resultados não serão vistos da noite para o dia.
“Sair de dívidas demora, em média, de dois a cinco anos. Normalmente, é só depois desse prazo que a pessoa começa a ter algum dinheiro sobrando para investir. Muitos até conseguem reequilibrar as finanças sozinhos, mas, de forma geral, um profissional acelera esse processo”.
Existem também alguns mitos que dificultam o trabalho do planejador financeiro. Nesse sentido, Eliane comenta que muitas pessoas acabam não procurando esses profissionais com receio de que eles cortem todas as despesas supérfluas e as “proíbam” de gastar.
“Isso é um grande engano. O planejador financeiro não vai cortar o seu restaurante, a sua viagem, ou qualquer outra coisa que você queira continuar fazendo. Em vez disso, ele vai te levar para um processo de conscientização para as suas tomadas de decisões financeiras. O planejamento financeiro bem estruturado tira pontos de cegueira e torna mais eficiente a tomada de decisão, de acordo com a vida das pessoas”, afirma.
Depois da conscientização da importância e do entendimento de como funciona o planejamento financeiro, o próximo passo é o registro de todas as receitas e despesas. Para Mauro Calil, essa parte é trabalhosa e enfadonha, porém libertadora.
“Pela minha experiência, quando a pessoa tem um planejamento financeiro, ela consome mais gastando menos, pois passa a consumir aquilo que realmente é importante para ela. Há quem opte, por exemplo, por não ter carro ou usar roupas de grife, e viajar todos os anos. É justamente pelo fato de ser individualizado que o planejamento financeiro funciona”, diz o educador financeiro.
Como é o trabalho do planejador financeiro
O planejador financeiro deve ter acesso a todas as informações financeiras do cliente. Segundo Eliane, para que o trabalho tenha sucesso, o relacionamento entre cliente e profissional deve ser muito sincero.
“Na Splendys, respeitamos as histórias pessoais e, ao mesmo tempo, tratamos com imparcialidade e tecnicidade todos os aspectos relacionados às finanças. Tudo isso sem deixar de lado a importância comportamental, pois sabemos que decisões financeiras têm uma grande carga emocional, pois dependem de como cada um vê o mundo e do que julga ser qualidade de vida. Dessa forma, observamos como a pessoa quer viver, e orientamos a partir disso”.
De posse de todas as informações sobre a vida financeira do cliente, o planejador financeiro fará um diagnóstico. A partir disso, tudo o que foi apontado no diagnóstico começa a ser tratado.
Eliane enfatiza que esse diagnóstico é dinâmico, e pode mudar a qualquer momento, a depender dos acontecimentos da vida da pessoa.
“Digamos que, no transcorrer do tratamento, a pessoa tenha casado, separado, tido filhos ou gastos inesperados com viagens, tratamentos médicos, etc. Quando há algum novo acontecimento, o diagnóstico precisa ser revisto e readequado à nova realidade. É por isso que dizemos que o planejamento financeiro é vivo, e precisa ser acompanhado”, explica.
Quem busca um planejador financeiro, precisa saber que existem diferentes formas de se prestar esse serviço. Nesse sentido, Eliane acredita na visão holística do processo.
“Há profissionais que se ocupam somente de determinados aspectos da vida financeira do cliente. Por exemplo, quem é especialista em seguros, investimentos ou sucessão patrimonial pode oferecer esses serviços de forma individual. Inclusive, no exterior, é comum as pessoas terem mais de um planejador financeiro. No entanto, acredito que um modelo que integre todos os aspectos da vida da pessoa tenha mais efetividade, e é dessa forma que trabalhamos na Splendys.
Os seis pilares oficiais do planejamento financeiro são gestão financeira, riscos, planejamento tributário, planejamento de aposentadoria e planejamento sucessório. Para Eliane, deveria ser acrescentado mais um: as finanças comportamentais.
Segundo a planejadora, as questões comportamentais são tão fortes quanto os outros pilares. Por isso, podem comprometer todo o trabalho do planejador se não forem consideradas com a devida importância no processo. “Há pessoas mais racionais, outras mais intuitivas, outras mais sensíveis … tudo isso deve ser levado em consideração pelo profissional”, conclui.
E quem não pode pagar um planejador financeiro?
Diferentemente do que muitas pessoas acreditam, o planejamento financeiro não é somente para quem tem muito dinheiro. Segundo Eliane Tanabe, a Splendys atende pessoas de todas as faixas de renda e escolaridade. Para a planejadora, alguns tabus ainda atrapalham na hora de organizar as finanças.
“Muitos me dizem: assim que eu me organizar financeiramente, vou procurar os seus serviços. De fato, o melhor seria que o planejamento financeiro fosse feito de forma preventiva, como o check-up que você faz uma vez por ano. Mas, se as suas finanças já estão desequilibradas, esse é justamente o momento mais importante para procurar ajuda”, observa.
Porém, se de fato não há como pagar, quem precisa de auxílio profissional com as finanças pode se aproveitar de alguns momentos do ano em que planejadores fazem trabalhos voluntários.
Todo ano, o Banco Central promove a Semana Nacional de Educação Financeira. Em novembro de 2021 aconteceu a oitava edição do programa, que mobilizou diversos planejadores financeiros no Brasil inteiro.
Simultaneamente, esses profissionais realizam palestras e workshops em escolas e centros educativos. Por causa da pandemia, as edições de 2020 e 2021 foram online. “Esse é o momento de quem não tem como contratar um planejador financeiro tirar dúvidas pontuais. Não é o tratamento completo, mas já é um passo para organizar as finanças”, diz Eliane.
Educação financeira gratuita
Mesmo sem a assessoria de um profissional, é possível entender mais sobre finanças e começar a organizar o orçamento. Há diversas iniciativas de educação financeira gratuitas como A Rota da Liberdade Financeira. Em 2021, a Serasa também lançou um curso em parceria com o portal Descomplica sobre educação financeira.
Fernando Gambaro destaca a importância dessas iniciativas gratuitas. “As pessoas não sabem o que gastam. Isso se reflete nas principais dívidas dos brasileiros. Hoje, 29% dessas dívidas são relacionadas a bancos e cartões de crédito, e 22% a contas básicas, como água e luz, por exemplo. Normalmente, em pesquisas que a gente faz, quando perguntamos quais contas as pessoas priorizariam se tivessem que escolher, elas respondem que seriam as contas básicas. Mas elas aparecem em segundo lugar no ranking de dívidas. Esse contrassenso demonstra a falta de planejamento do brasileiro”, diz o especialista.
Outra iniciativa importante para organizar as finanças é o Feirão Limpa Nome, que a Serasa promove todos os anos. Nesse evento, é possível negociar algumas dívidas com até 99% de desconto.
O último feirão ocorreu de 3 de novembro a 6 de dezembro, e teve negociação física em cinco capitais do Brasil.
Essa foi a 26° edição do evento e, segundo Gambaro, foi a maior de todos os tempos. “Ao todo, participaram mais de 100 empresas parceiras da Serasa, um número recorde. Até o dia 30 de novembro, mais de 2,2 milhões de brasileiros haviam renegociado suas dívidas, no montante total de mais de R$ 6 bilhões. A adesão de tantos parceiros mostra que as empresas percebem a necessidade desse tipo de evento hoje no país”, avalia Fernando.
Porém, o especialista dá um importante alerta sobre fraudes a quem deseja renegociar dívidas. “Tem muita fraude acontecendo, com sites e números de WhatsApp falsos que, inclusive, utilizam o nome da Serasa. E essas fraudes cresceram absurdamente durante a pandemia. Por isso, sempre pedimos que as pessoas se certifiquem de que estão utilizando os canais adequados antes de pagar um boleto de uma dívida”.
Como saber se tenho dívidas em atraso?
Outra informação que muitas pessoas não têm é sobre a gratuidade de pesquisa do CPF no Serasa. Basta entrar no site e fazer o cadastro para conhecer as dívidas.
Fernando orienta que se pode acessar informações de CPF ou CNPJ tanto pelo aplicativo da Serasa quanto no site. Há também um WhatsApp para confirmar se existem dívidas (11 99575-2096) e o 0800 591 1222. E, quem não gosta de nenhuma dessas opções digitais, pode ir aos correios. Porém, lá existe uma taxa de R$ 3,60 para fazer a consulta. Em todos os outros canais, o serviço é gratuito.
Nos correios, é preciso ter um documento com foto para acessar o serviço. Nos outros canais, basta o CPF e um e-mail para fazer o cadastro. Segundo o especialista, dá para consultar a pontuação de crédito, quais variações sofridas e quais dívidas que estão negativando o CPF ou CNPJ. Além disso, esses canais também disponibilizam opções para negociação.
Um dos primeiros passos para sair das dívidas e começar um planejamento financeiro é organizar seus ganhos e gastos. O InfoMoney desenvolveu uma planilha para ajudar os leitores nessa tarefa. Para recebê-la, deixe seu email abaixo: