A possibilidade de reaver uma parte do dinheiro gasto é o conceito básico do cashback, que é utilizado no varejo a partir de compras com cartão de crédito. Mas o termo vem ganhando mais espaço em meio à discussão da reforma tributária, que teve o texto-base aprovado na Câmara na última semana. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/19) ainda precisa ser analisada pelo Senado Federal.
A aplicação do cashback na reforma tributária tem como objetivo reduzir desigualdades de renda. Mas ainda há muitas questões em aberto, especialmente em relação à implementação, critérios de participação, público-alvo, valores de reembolso, entre outros aspectos que serão definidos posteriormente por lei complementar.
O principal defensor do conceito é Bernard Appy, secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, um dos maiores especialistas no debate sobre impostos sobre consumo no país e que foi chamado para integrar a equipe econômica do governo.
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O InfoMoney consultou Bruno Marques Santo, advogado tributário da área consultiva, João Carlos Molisani e Julia Moura, tributaristas do escritório Goulart Penteado, que responderam as principais dúvidas sobre o assunto. Confira:
1. O que é o cashback tributário?
O modelo de cashback é um mecanismo utilizado por vários países para devolver uma parte dos tributos cobrados no preço dos bens e serviços à população, geralmente com o objetivo de reduzir a desigualdade de renda entre as camadas mais ricas e as mais pobres da população.
O peso dos tributos nos preços dos itens consumidos pelas camadas mais pobres da sociedade é maior do que das camadas mais ricas porque, proporcionalmente, uma parte maior da renda da população mais pobre é utilizada para consumo, então os mecanismos de cashback visam equilibrar melhor essa balança.
No caso brasileiro, a ideia inicial era reonerar os itens da cesta básica para toda a população e conceder o benefício de devolução dos impostos pagos pelos grupos mais vulneráveis.
Hoje, produtos da cesta básica já são isentos de tributos federais e cada estado tem uma alíquota própria de ICMS, e para produtos diferentes. Porém, todo mundo usufrui disso, independentemente da sua renda ou da necessidade de um benefício fiscal.
O modelo de cashback idealizado seria capaz de entregar uma política pública mais centralizada, permitindo a cobrança de imposto de todos, mas com o mecanismo de devolução de imposto para a camada mais pobre. E, ao mesmo tempo, o governo não “deixaria dinheiro na mesa” desonerando uma parte da população que não precisa de benefício fiscal na cesta básica.
2. O cashback tem a ver com a desoneração da cesta básica?
O modelo do cashback apresentado tem como principal objetivo beneficiar a população de baixa renda com a devolução de impostos pagos sobre alimentos e produtos da cesta básica, explica Julia Moura, do Goulart Penteado.
Ao longo das discussões para o texto-base e a pressão de alguns grupos da casa, o conceito inicial do cashback foi sendo alterado. A versão do texto da reforma tributária aprovada pelos deputados institui uma “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, com produtos que serão 100% desonerados. A lista desses produtos contemplados seria definida posteriormente também por lei complementar.
No substitutivo da PEC aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada, também há a previsão de que uma lei complementar disponha sobre as hipóteses de devolução de valores pagos no novo imposto a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda no país. Mas na prática as possibilidades de alcance do benefício se limitam às condições do novo modelo de desoneração.
Na prática, esse novo modelo dificulta a implementação mais ampla do cashback por conter um volume maior de exceções (ainda não se sabe qual o tamanho da lista de desoneração). Quanto maior o volume de isenções ou desonerações maior terá que ser a alíquota padrão do novo imposto — porque ela terá que absorver os impactos de regras diferenciadas para manter o nível de carga tributária atual.
Em entrevista recente ao InfoMoney, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) não defendeu o uso da alíquota-padrão do novo modelo sobre os alimentos, mas sim uma taxa intermediária, que poderia ser associada ao cashback.
Ele alega que o modelo não deveria definir os produtos passíveis de devolução, mas sim o valor da compra. E o sistema de devolução poderia utilizar de tecnologia já desenvolvida, seja pelo cartão do Bolsa Família, seja pelo Pix ou depósito em conta bancária.
Vale lembrar que a proposta do texto-base visa simplificar o sistema tributário brasileiro, unificando cinco impostos em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será dividido em dois (o CBS e o IBS).
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3. Como vai funcionar?
Ainda faltam muitas respostas para o funcionamento do mecanismo, como limites, forma de devolução e beneficiários, se ocorrerá de forma geral ou terá vínculo com algum consumo específico.
Ainda não está claro se o mecanismo abrangerá apenas as famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou se haverá maior limite de renda, como famílias com renda de até três salários mínimos.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, em março, Bernard Appy apresentou sugestões sobre como ocorreria essa devolução.
Segundo ele, o cashback poderia ter como base o Cadastro de Pessoa Física (CPF) emitido na nota fiscal, com o valor da compra e a inscrição no Cadastro Único sendo cruzadas para autorizar a devolução.
Ele citou o exemplo do Rio Grande do Sul, que implementou um sistema de devolução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 2021 para famílias inscritas no Cadastro Único com renda de até três salários mínimos por meio de um cartão de crédito.
Inicialmente, o governo gaúcho devolvia um valor fixo por família e agora começou a devolver por CPF, com base no cruzamento de dados entre o valor da compra e a situação cadastral da família. Em locais remotos, sem acesso à internet, o secretário extraordinário da Reforma Tributária sugeriu um sistema de transferência direta de renda, complementar ao Bolsa Família.
O advogado tributário Bruno Santo acrescentou que diversos países utilizam o conceito do cashback dentro dos seus modelos de IVA, como Canadá, Bolívia, Uruguai e Colômbia.
Não há uma regra geral de como o modelo deve ser construído, mas três itens básicos devem ser bem definidos:
- a) quem serão os beneficiários do cashback;
- b) como eles poderão efetivamente utilizar o cashback; e
- c) criação de mecanismos antifraude.
“Na Colômbia e no Canadá são feitos pagamentos periódicos em valores pré-definidos por pessoa ou por família. No Uruguai, um modelo que foi muito analisado pelo Governo, existe um aplicativo para controlar em tempo real o cashback. Ainda no Canadá a restituição ocorre para aqueles que tiverem entregado a declaração do imposto de renda”, conta o especialista.
4. Quando o cashback entrará em vigor?
Todas as regras sobre o funcionamento do cashback e a desoneração da cesta básica serão definidas por lei complementar, conforme o texto-base aprovado.
A Lei Complementar no Brasil é um tipo de legislação que, como o próprio nome sugere, complementa, explica, acrescenta algo à Constituição Federal. Ela é utilizada quando a Constituição determina uma matéria que necessite de normas mais detalhadas para ser aplicada.
Neste caso, o cashback e seu mecanismo só passam a valer depois da promulgação da PEC e definições da lei complementar. Será preciso considerar as portarias e instruções normativas que regulamentarão a lei — tudo assumindo que o Senado não insira mais detalhes ou alterações no texto final.
Por se tratar de PEC, o texto precisa do apoio de 3/5 em todas as votações de mérito nos plenários das casas legislativas. Isso significa um mínimo de 308 votos de deputados e 49 de senadores.
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5. Quem seria beneficiado com o cashback?
A ideia é que a população mais pobre seja beneficiada com o reembolso dos impostos. Mas ainda precisam ser definidos critérios para enquadrar os cidadãos no benefícios fiscal: faixas de renda, vínculo de consumo com algum produto específico, e até mesmo gênero e raça – tudo dependerá do desenho final ainda a ser construído.
Segundo o governo federal, o CadÚnico, que permite o acesso de famílias em situação de vulnerabilidade social a ações como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada, poderia ser uma referência para o cashback.
Ainda, na visão de advogado tributário Santo, “as empresas podem ter um benefício indireto pelo mecanismo de cashback, na medida em que a percepção do custo dos seus produtos para o consumidor será menor, se houver um sistema de reembolso rápido e eficaz”.
6. Quais os prós e contras do cashback e desoneração?
O fim da desoneração de produtos da cesta básica e a implementação do “cashback” para os mais pobres divide opiniões no Congresso Nacional. A bancada ruralista, por exemplo, teme que o aumento de impostos sobre alimentos prejudique o setor.
Os modelos de cashback conferem uma ação mais focada na fatia mais pobre da população, do que a redução geral de alíquota. Por outro lado, a redução geral da alíquota é mais simples de implementar e pode ser mais assertiva na opinião dos especialistas consultados.
O cashback, por exemplo, pode ser ineficiente se houver demora ou se o sistema para obtê-lo for complexo a ponto de deixar pessoas sem acesso a ele.
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7. Quais os desafios de implementação do cashback?
Embora o escopo do conceito do cashback possa ser reduzido, considerando o texto-base já aprovado, há alguns receios em relação à implementação.
Os principais pontos levantados pelos especialistas consultados são:
- definir o mecanismo de devolução dos valores, que precisa ser ágil e à prova de fraudes de identidade, bem como o de delimitar um teto para a restituição do imposto;
- definir quem será a população atingida e quais serão os tipos de produtos e serviços que darão direito ao cashback.
“Na maioria dos países que já possui esse sistema existe limitações do cashback a produtos de consumo básico e/ou essenciais, como saúde, educação e alimentação”, diz Santos.
João Carlos Molisani, tributarista do escritório Goulart Penteado, destaca um outro ponto, sobre a privacidade dos beneficiários.
“É necessário que os entes federativos compartilhem informações relevantes de forma segura sobre os contribuintes, como dados de consumo e pagamento de impostos. É essencial que haja um sistema de segurança eficiente para troca dessas informações, haja vista que são de cunho pessoal”, explica.
O deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE) alega que o modelo exigiria “capital de giro” da população mais pobre, que teria que adquirir com impostos produtos que hoje são isentos para, somente depois de um determinado tempo, ser beneficiado pela devolução dos valores recolhidos.
Uma solução seria implementar um cashback de forma automática e imediata – situação que também divide opiniões sobre a execução.
Como forma de combater fraudes, a partir do uso indevido de um CPF beneficiário por terceiros, o parlamentar sugere a aplicação de um teto para compras isentas. Uma vez superado o valor pago em produtos da cesta básica em um período específico, o cidadão beneficiário passaria a ser tributado no excedente até a renovação do ciclo.
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*Com Agência Brasil.