A oposição na Venezuela parece ter cada vez menos caminhos disponíveis para manter ativo seu protesto contra os resultados das eleições de 28 de julho. O governo, por sua vez, busca encerrar a questão após a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), com restrições ao espaço civil por meio de detenções e repressão, além de ameaças de impedir que partidos que não aceitarem a decisão do TSJ participem das próximas eleições.
“Atas anulam sentenças” é o lema com o qual María Corina Machado convocou uma marcha na quarta-feira (28) em rejeição à validação, pelo TSJ, da proclamação do presidente Nicolás Maduro como vencedor das eleições. O chavismo convocou apoiadores para celebrar a “grande vitória popular” um mês após o dia 28 de julho, enquanto o Conselho Nacional Eleitoral ainda não publicou os resultados desagregados.
Para Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), o caminho da oposição é continuar com a combinação de pressão interna, com uma presença ativa nas ruas, e os esforços de pressão externa, com medidas diplomáticas e possíveis ações econômicas. “Fora desses caminhos, não consigo imaginar realisticamente que algo mais possa acontecer”, disse à CNN.
A diretora da organização não governamental Acceso a la Justicia, Laura Louza, disse à CNN que, embora não acredite que o resultado seja diferente, endossou o anúncio do candidato Enrique Márquez de apresentar um recurso de revisão da sentença da Sala Eleitoral à Sala Constitucional.
“Consideramos muito importante que se tente esse recurso e se dê uma nova oportunidade ao Tribunal Supremo, neste caso à Sala Constitucional, que deveria ser o garantidor da Constituição e de todos os pactos de direitos humanos que a Venezuela assinou e que foram violados neste caso”, disse. Ela explicou que, depois disso, a via legal na Venezuela para contestar o resultado eleitoral estaria esgotada.
Enquanto isso, o presidente da Assembleia da Venezuela, Jorge Rodríguez, anunciou que proporia uma nova lei de partidos políticos, que, segundo ele, proibiria a inscrição de candidaturas daqueles partidos que não aceitarem a sentença do TSJ que reconhece o anúncio da vitória de Maduro.
Beco sem saída
A operação Tun Tun, uma campanha de detenções com o objetivo de amedrontar a população e evitar manifestações dissidentes, não cessou na Venezuela, com novas denúncias de prisões.
Na quarta-feira, a Procuradoria Geral convocou pela terceira vez o candidato Edmundo González Urrutia para que preste depoimento sobre o site resultadosconvzla.com, que publicou 83,50% das atas de votação emitidas em 28 de julho. “Caso ele falte novamente, o Ministério Público anunciará a ação correspondente com base na lei”, disse o procurador-geral Tarek William Saab.
Uma das possibilidades é que seja emitido um “mandado de condução” para autorizar que as forças de segurança localizem González Urrutia e o levem à Procuradoria para prestar depoimento.
Por sua vez, Machado tem reduzido suas aparições públicas e participa de transmissões em redes sociais a partir de um local desconhecido.
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Luis Lander, diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano, disse à CNN que “a liderança opositora está fazendo um esforço para reunir manifestações internacionais e também administrar mais inteligentemente a mobilização nas ruas”.
Segundo revisou Lander, “nos últimos 25 anos, a oposição protagonizou mobilizações, algumas mais intensas que outras, mas o que ocorre é que as mobilizações são espontâneas, acabam se desgastando e, se não têm resultados, acabam se tornando atos menores e mais fáceis de controlar”.
Lander também apontou que “todas as medidas do oficialismo têm levado a um beco sem saída para replicar o que acontece na Nicarágua”, onde o presidente Daniel Ortega ganhou seu quarto mandato consecutivo ilegalizando partidos políticos, prendendo e exilando opositores e instaurando um estado policial.
Sob esse cenário, considerou Lander, torna-se cada vez menos viável um momento de negociação para uma saída pacífica. “Socialmente, estamos bloqueados em nossa capacidade de ação, esperando um fato imprevisto ou algum evento que ofereça uma solução”, acrescentou.
O jogo não terminou
Alarcón, da UCAB, disse que um caminho para uma mesa de diálogo só pode ser aberto “se o governo começar a perceber que não consegue se sustentar, se ocorrer algo que ameace sua estabilidade, como perder o apoio dos militares, ou se surgir uma situação de ingovernabilidade que o impeça de manter sua postura”.
Por outro lado, “se sentir que está em uma situação de estabilidade, com controle da situação, não se disporá” a uma negociação com a oposição, acrescentou.
Nesta terça-feira (27), Maduro anunciou novas eleições regionais e legislativas para 2025 e mudanças em seu gabinete, decisões de gestão que poderiam buscar aparentar uma sinal de normalidade.
Alarcón expressou: “Não poderia afirmar que o Governo ganhou o conflito, seria simplificar muito as coisas. A realidade é que há diferenças suficientemente importantes para dizer que o jogo não terminou. O principal é que o Governo foi derrotado eleitoralmente. Há uma convicção muito generalizada de que o Governo roubou a eleição. Isso faz uma diferença importante, e pode, no final das contas, acabar quebrando alguns apoios ao Governo.”
Enquanto isso, a oposição enfrenta o desafio de se articular para manter o protesto. Alarcón disse que não tem certeza se a coalizão oposicionista possui um caminho definido ou se está tentando ensaiar fórmulas para ver qual é a melhor abordagem. “A vantagem é que Machado não se deu por vencida. Ela continua firme em sua luta, conquistando o respeito das pessoas. Podem surgir críticas ou desânimos, mas as pessoas reconhecem que ela não se rendeu; é uma boa liderança.”
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