Quando você atende o telefone e ouve uma mulher adulta gritando “E aíííí?” na voz de um menino de 10 anos, você pode ter certeza de que está falando com Pamela Hayden. Por cerca de 35 anos, Hayden deu vida a vários personagens marcantes em “Os Simpsons”, a duradoura série animada da Fox, mas nenhum com a mesma nerdice exuberante de Milhouse Van Houten, o azarado, porém bondoso, melhor amigo de Bart Simpson.
Na quarta-feira, no entanto, depois de interpretar Milhouse desde antes de “Os Simpsons” se tornarem uma série própria (e ter acumulado outros papéis, incluindo o valentão Jimbo Jones e Rod Flanders, o doce e devoto vizinho de Bart), Hayden anunciou que ela se aposentou da dublagem. Suas últimas atuações em “Simpsons” como Milhouse e Jimbo foram ao ar no em novembro.
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Hayden, 70, cuja voz marcou presença em diversos programas de animação desde os anos 1980, afirmou em entrevista por telefone que dublar não é muito diferente de atuar diante das câmeras. Para ela, quando você se coloca na mentalidade de um personagem de voz, “você se pergunta: o que quero? Quanto eu realmente desejo isso? O que acontece se eu não conseguir? E Milhouse precisa pensar muito sobre o que acontece se ele não conseguir, porque é isso que quase sempre ocorre com ele.”
Com a mesma compaixão delicada que caracterizou suas atuações, Hayden explicou que entende por que Milhouse se tornou o personagem mais duradouro e conhecido de todos os que ela interpretou.
“Milhouse é alguém que passa por momentos difíceis muitas vezes, mas não leva isso para o lado pessoal”, analisou. “Isso não estraga a vida dele. No dia seguinte, ele acorda ainda acreditando que as coisas vão melhorar, mesmo quando não melhoram.”
Hayden falou sobre sua história com “Os Simpsons”, seus planos pós-aposentadoria e a alegria de interpretar Milhouse. Seguem trechos editados da conversa.
Dave Itzkoff: Você está envolvida com “Os Simpsons” desde, o quê, 1988?
Pamela Hayden: Na verdade, foi 1888. Vou fazer uma correção. Estou velha, caramba! [Risos.] No início, “Os Simpsons” eram interlúdios no “The Tracey Ullman Show”, entre os esquetes, e a animação era bem menos sofisticada do que é hoje. Recebi uma ligação do meu agente de locução informando sobre um comercial animado de TV para a Butterfinger. A única dica que recebi foi que seria um personagem do tipo “Simpson”. Dá para fazer isso de muitas maneiras. Eu criei a voz, consegui o comercial, e ele ficou muito fofo. Daí pensei: acabou. Depois, quando “Os Simpsons” se tornou uma série, eles me chamaram para fazer um teste.
DI: Você se sentiu incomodada por ter que fazer um teste para um papel que já havia criado e interpretado anteriormente?
PH: Não, mas devo dizer que foi um pouco estressante. Ninguém morreu por isso, mas, na época, meus agentes disseram que queriam que eu conhecesse outras pessoas envolvidas em “Os Simpsons”. Achei que já tinha conseguido o trabalho, e que eles só queriam que eu conhecesse os produtores. Cheguei para a segunda audição e havia umas 10 pessoas que também haviam sido convocadas para ela. Havia uma mulher que já tinha ganhado um Oscar, e Marcia Wallace [que acabou sendo escalada como a professora de Bart, a Sra. Krabappel], a quem eu assistia quando era criança no “The Bob Newhart Show”. Voltei para meu carro no estacionamento, respirei fundo e disse a mim mesma, sem falar em voz alta, para não parecer louca e acabarem me colocando em uma camisa de força: você ainda não conseguiu, mas também ainda não perdeu a chance. Então, vamos começar do zero. E deu tudo certo.
DI: Milhouse conseguiu fazer algumas coisas bem interessantes logo no início da série. Apesar de ser o companheiro nerd, ele teve uma namorada por um breve período na terceira temporada.
PH: Esse foi o melhor momento da vida de Milhouse. Acho que ela acabou em um convento, e é assim que as coisas acontecem para ele. Mas isso não importava porque ele sempre foi apaixonado por Lisa. Ele também nunca vai conquistá-la. Sei lá, talvez algum dia consiga.
DI: Alguns anos depois, surgiu uma subtrama em que seus pais se separaram e se divorciaram. Isso te surpreendeu?
PH: Foi um grande escândalo em Springfield, sem dúvida. Sim, fiquei surpresa, mas eles voltaram a ficar juntos só para se deixarem mutuamente infelizes.
DI: Muitas das suas leituras de falas de Milhouse transcenderam o programa e se tornaram bordões. Você imaginava que seria eternizada pelo momento em que Milhouse repreende Bart sobre o peixinho dourado de estimação, que Bart insiste que seu cachorro não comeu?
PH: Não houve um grande momento de [imitando a voz de Milhouse] “Por que eu tenho o aquário?” “Por que eu tenho o aquário?” Eu não fazia ideia de que seria associada a peixinhos dourados ao redor do mundo. Mas há certas expressões que eu imaginei que você provavelmente mencionaria, como “Everything’s coming up Milhouse!” (“Tudo funcionando bem para o Millhouse!”).
DI: Sim, eu também ia perguntar sobre isso.
PH: Certa vez, um casal que me disse: “Sempre que algo dá errado na vida, olhamos um para o outro e dizemos: ‘Tudo está funcionando bem para o Milhouse!’” Não sei exatamente o que eles queriam dizer com isso, mas parecia ser uma fonte de inspiração para eles.
DI: Prometo que vou perguntar sobre apenas mais uma fala: quando Milhouse encontra seu colega de Shelbyville e, com lágrimas nos olhos, diz: “So this is what it feels like when doves cry” (“Então é assim que se sente quando as pombas choram?”).
PH: As pessoas se aproximam de mim e recitam falas, algumas delas bem mais obscuras do que essa. E os fãs conseguem se lembrar dos episódios muito melhor do que eu. Sério mesmo, quando lançamos o DVD de “Os Simpsons”, eles nos mandaram para Nova York e organizaram um quiz de perguntas e respostas sobre a série. Eu me saí muito mal. Fui péssima.
DI: O que você fará agora que se aposentou de “Os Simpsons”?
PH: Quero dedicar mais tempo aos meus esforços criativos, que são fazer filmes e escrever. Fizemos um documentário chamado “Jailhouse to Milhouse”, que não é exatamente sobre “Os Simpsons”. Tem mais a ver com pessoas que deslocadas. Guardo um lugar especial no meu coração para meninas em situação de vulnerabilidade, e sempre digo a elas que “Se eu consegui, você também consegue”, porque também passei por anos muito difíceis na minha juventude. Sinto que Milhouse reflete isso: você não pode desanimar diante de cada obstáculo que surge no seu caminho. Amanhã será um dia melhor.
DI: Então, por que gostamos de vê-lo cair de cara no chão?
PH: Parece um pouco com os Três Patetas. Alguém escorrega em uma banana, depois se levanta e escorrega novamente. Sabe, é engraçado. Você só torce para que a pessoa não tenha quebrado nada.
DI: Você está preparada para o dia que ligará a TV e ouvirá outra pessoa interpretando Milhouse?
PH: Seria um pouco estranho? Provavelmente, mas o que espero é que alguém não esteja apenas fazendo uma imitação. Claro, a pessoa precisa capturar a essência de Milhouse, mas também trazer sua própria personalidade, criatividade e escolhas artísticas.
DI: Em quais aspectos você acha que você e Milhouse se conectam? O que você acha que compartilham?
PH: Talvez seja no fato de eu ser um pit bull, que não desiste facilmente. Mas quando as coisas vão mal, me sacudo, me levanto e continuo. Para mim, o importante na vida é não levar as coisas muito a sério. Esse é um dos motivos pelos quais tingi meu cabelo de roxo.
DI: Você quer dizer, tipo, atualmente?
PH: As pontas, alguns centímetros, estão roxas. Você também vai fazer isso para sermos gêmeos?
DI: Vou pensar a respeito. Vou refletir sobre isso com bastante seriedade.
PH: Por que não acredito em você? Estávamos nos dando tão bem, e agora acho que você está me zoando.