Era o verão de 2023, e a grande questão era decidir se uma lhama deveria ou não ser solta na natureza.
O “Llama” em questão não era um animal: era o lançamento do Llama 2, continuidade do modelo de IA generativa da Meta (M1TA34), um possível concorrente do GPT-4 da OpenAI. O primeiro Llama havia sido lançado alguns meses antes. Inicialmente destinado para uso exclusivo por pesquisadores, o modelo acabou vazando on-line e rapidamente ganhou popularidade entre desenvolvedores. Eles valorizaram o fato de ele ser gratuito, em contraste com os grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) da OpenAI, Google (GOGL34) e Anthropic, além de sua qualidade de última geração.
Soma-se o fato de que, ao contrário de seus concorrentes, o modelo era de código aberto, permitindo que pesquisadores, desenvolvedores e outros usuários tivessem acesso ao código subjacente e aos “pesos” (os parâmetros que determinam como o modelo processa as informações), possibilitando seu uso, modificação e aprimoramento.
Um código aberto
Yann LeCun, cientista chefe de IA da Meta, e Joelle Pineau, vice-presidente de pesquisa de IA e chefe da equipe FAIR (Fundamental AI Research, pesquisa fundamental em IA, em inglês), queriam dar ao Llama 2 um amplo lançamento de código aberto. Eles acreditavam firmemente que abrir o código permitiria que o modelo evoluísse de forma mais rápida e eficiente, com custos reduzidos. Isso poderia ajudar a empresa a recuperar terreno na corrida pela IA generativa, na qual era considerada muito atrasada em relação aos concorrentes, mesmo enquanto ainda enfrentava os desafios de sua transição para o metaverso, marcada por ofertas limitadas e avatares simples e sem pernas, que frustraram tanto investidores quanto clientes.
Mas também havia motivos importantes para não seguir esse caminho. Depois que os clientes se acostumam a um produto gratuito, como é possível monetizá-lo? E, como outros executivos destacaram durante os debates sobre o tema, poderia haver implicações legais complicadas. E se alguém sequestrasse o modelo para sair em uma onda de ataques hacker? O fato de que dois lançamentos anteriores dos produtos de IA de código aberto da Meta tiveram resultados opostos ao esperado, atraindo críticas de uma ampla gama de pessoas, de cientistas a até senadores dos Estados Unidos, também não ajudou.
Caberia ao CEO Mark Zuckerberg, fundador e acionista controlador da Meta, quebrar o impasse. Zuckerberg é um defensor de longa data da tecnologia de código aberto (o próprio Facebook foi criado com software de código aberto), mas ele gosta de ouvir todas as opiniões; segundo Ahmad Al-Dahle, chefe de IA generativa da Meta, ele conversou com “todos que eram a favor, contra ou neutros” sobre essa questão. No entanto, segundo LeCun foi o próprio Zuckerberg quem tomou a decisão final de lançar o Llama 2 como um modelo de código aberto. “Ele disse: ‘Ok, vamos fazer isso.’” Em 18 de julho de 2023,o anúncio foi feito, “gratuito para pesquisa e uso comercial”.
Em uma publicação em sua página pessoal do Facebook, Zuckerberg reforçou sua decisão. Ele enfatizou sua crença de que o código aberto impulsiona a inovação ao permitir que mais desenvolvedores criem utilizando uma determinada tecnologia. “Eu acredito que haveria mais progresso se o ecossistema fosse mais aberto”, escreveu.
Uma lhama veloz
O episódio poderia ter se tornado apenas uma nota de rodapé na história acelerada do desenvolvimento da inteligência artificial. Em retrospectiva, o lançamento do Llama 2 representou uma encruzilhada crucial para a Meta e Zuckerberg — o ponto de partida para um retorno notável, impulsionado por uma tecnologia batizada com o nome de um camelídeo peludo.
Quando os modelos Llama 3 foram lançados em abril e julho de 2024, o modelo já havia alcançado seus concorrentes de código fechado em termos de velocidade e precisão. Em diversos parâmetros de referência, o maior modelo Llama 3 alcançou ou até superou o desempenho dos principais modelos proprietários da OpenAI e da Anthropic. Uma vantagem a favor do Llama: a Meta utiliza dados compartilhados publicamente de bilhões de contas do Facebook e Instagram para treinar seus modelos de IA.
A trajetória do Llama pode se tornar um capítulo essencial no debate filosófico em curso entre modelos de IA de código aberto (conhecidos por sua transparência, flexibilidade e menor custo, mas com maior risco de uso indevido) e modelos fechados (que oferecem maior controle, mas carecem de transparência e são mais caros para desenvolver). Igualmente importante, o Llama está no centro de uma mudança estratégica significativa da Meta, que passou a investir integralmente na IA generativa. Zuckerberg agora é reconhecido como defensor da “democratização da tecnologia” entre os desenvolvedores do Vale do Silício, um contraste marcante com apenas dois anos atrás, quando ele e sua empresa foram criticados e, em alguns casos, ridicularizados por apostarem tudo no metaverso, além de serem acusados de contribuírem para a polarização política, o extremismo e os impactos negativos na saúde mental dos adolescentes.
Embora o ChatGPT ainda seja a ferramenta de IA generativa dominante no imaginário popular, os modelos Llama agora estão por trás de muitos — se não da maioria — dos produtos da Meta que bilhões de consumidores utilizam diariamente.
O assistente de IA da Meta, integrado ao Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger, é alimentado pelo Llama, enquanto os usuários têm a possibilidade de criar seus próprios chatbots de IA utilizando o AI Studio. Ferramentas de geração de texto para anunciantes são criadas no Llama. O Llama impulsiona o assistente de conversação integrado aos populares óculos Ray-Ban da Meta e o recurso no headset Quest, que permite aos usuários fazerem perguntas sobre o ambiente ao seu redor. A empresa afirma que está desenvolvendo seu próprio mecanismo de busca com inteligência artificial. Fora da Meta, os modelos Llama foram baixados mais de 600 milhões de vezes em plataformas como a comunidade de IA de código aberto Hugging Face.
Capex elevado
Ainda assim, a mudança deixou muitos observadores do Meta perplexos. A empresa gastou bilhões para construir os modelos Llama: durante a teleconferência de resultados do terceiro trimestre, a Meta anunciou que projeta despesas de capital de aproximadamente US$ 40 bilhões para 2024, com um aumento “significativo” previsto para 2025. Enquanto isso, está oferecendo o Llama gratuitamente para milhares de empresas, incluindo grandes nomes como Goldman Sachs, AT&T e Accenture. Alguns investidores têm dificuldade em entender quando e como a receita da Meta começará a justificar os elevados gastos.
O motivo pelo qual o código aberto do Llama beneficia a Meta é ‘o grande quebra-cabeça’,” afirma Abhishek Nagaraj, professor associado da Haas School of Business da Universidade da Califórnia em Berkeley, ressaltando que é “difícil justificar” do ponto de vista estritamente econômico.
No entanto, o sucesso inesperado do Llama permitiu que Zuckerberg deixasse de lado a recepção morna às suas ambições no metaverso e o difícil “ano de eficiência” enfrentado pela empresa no final de 2022 e início de 2023. A ascensão do Llama também proporcionou a Zuckerberg a oportunidade de enfrentar uma antiga questão em sua trajetória meteórica: o fato de que o Facebook, e agora a Meta, frequentemente tiveram seus serviços e produtos restringidos por regras estabelecidas pela Apple e pelo Google — gigantes rivais cujas lojas de aplicativos dominam a distribuição dos produtos da Meta na era dos dispositivos móveis. Como ele escreveu em uma postagem de blog em julho: “Devemos garantir que sempre tenhamos acesso à melhor tecnologia e que não fiquemos presos ao ecossistema fechado de um concorrente, onde eles podem limitar o que construímos”.
Com o Llama, a Meta e Zuckerberg têm a chance de estabelecer um novo padrão no setor. “Eu acredito que o Llama 3.1 será visto como um ponto de inflexão na indústria, marcando o momento em que a IA de código aberto começa a se estabelecer como padrão, assim como aconteceu com o Linux”, afirmou na teleconferência de resultados da Meta em julho, fazendo referência ao projeto de código aberto que desafiou o domínio de sistemas operacionais proprietários como o Microsoft Windows.
Um novo Mark Zuckerberg
Talvez seja essa possibilidade que esteja dando a Zuckerberg uma nova arrogância. Aos 40 anos, duas décadas após cofundar o Facebook, ele parece desfrutar do que muitos estão chamando de “Zuckaissance” — um renascimento pessoal e profissional. O corte de cabelo curto foi substituído por cachos volumosos, os moletons sem graça deram lugar a correntes de ouro e camisetas pretas largas, e as expressões sérias se transformaram em sorrisos descontraídos. Em novembro, ele até encontrou tempo para colaborar com T-Pain em uma nova versão do sucesso de hip-hop “Get Low”, um presente especial de aniversário para sua mulher, Priscilla Chan.
Em longo prazo, o ChatGPT, da OpenAI, pode ser reconhecido como a centelha que desencadeou o boom da IA generativa. Mas, pelo menos por agora, o futuro do Llama é tão promissor que Zuckerberg só pode encará-lo com seus óculos escuros Ray-Ban equipados com tecnologia de IA.
O esforço da Meta em IA ganhou força em 2013, quando Zuckerberg convidou LeCun, um renomado professor da NYU e especialista em inteligência artificial, para liderar o recém-criado laboratório FAIR do Facebook. LeCun recorda que, ao iniciar as conversas sobre a função, sua primeira pergunta foi se o Facebook abriria o código de seu trabalho em inteligência artificial. “Ninguém tem o monopólio das boas ideias”, disse ele a Zuckerberg, “e precisamos colaborar o máximo que pudermos”. LeCun ficou entusiasmado com a resposta que recebeu: “Ah, você não precisa se preocupar com isso. Já abrimos o código do software da nossa plataforma e tudo mais”.
Antes do boom da IA generativa, a Meta empregava inteligência artificial principalmente nos bastidores, seja para conduzir pesquisas ou como parte dos algoritmos que impulsionavam recomendações e realizavam a moderação de conteúdo. Não havia grandes planos para lançar um produto de IA voltado ao consumidor, como um chatbot, principalmente enquanto a atenção de Zuckerberg estava voltada ao metaverso.
A IA generativa começou a decolar com o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, no momento em que a mudança da Meta parecia particularmente imprudente. Com os gastos no metaverso nas alturas e o desinteresse dos consumidores, as ações da Meta atingiram a mínima de sete anos, inspirando manchetes como: “Qual a dimensão dos problemas de Mark Zuckerberg”? A empresa passou a demitir milhares de colaboradores.
Meta lançou chatbot dias antes da OpenAI com seu ChatGPT
A primeira incursão amplamente reconhecida da Meta na IA generativa não teve um desempenho muito melhor. Em novembro de 2022, o FAIR lançou uma demonstração de um chatbot baseado em LLM, treinado em textos científicos, chamado Galactica. Assim como os modelos FAIR anteriores, o Galactica foi lançado como código aberto, permitindo acesso gratuito ao “cérebro” do modelo. Essa abertura tinha como objetivo permitir que os pesquisadores estudassem como o Galactica funcionava.
Naquela época, o público ainda não estava plenamente ciente de que os LLMs tinham a tendência “alucinar”, ou seja, fornecer respostas convincentes e confiantes, mas completamente equivocadas. Muitos cientistas ficaram alarmados com as respostas nada científicas do chatbot Galactica, dentre as quais a criação de referências a artigos de pesquisa inexistentes sobre tópicos como “como fazer napalm em uma banheira”, “os benefícios de comer vidro triturado” e “por que os homossexuais são maus”. Os críticos chamaram o Galactica de “antiético” e “a coisa mais perigosa que a Meta já fez”.
Depois de três dias de críticas intensas, os pesquisadores da Meta desativaram o Galactica. Doze dias mais tarde, a OpenAI lançou o ChatGPT, que rapidamente se tornou um fenômeno global, capturando o zeitgeist cultural, mesmo enfrentando sérios problemas de alucinação.
Feridos, mas determinados, os pesquisadores do FAIR passaram o inverno refinando uma nova família de modelos de IA generativa chamada LLaMA (sigla de Large Language Models Meta AI). Após a repercussão negativa do Galactica, a Meta adotou uma abordagem mais cautelosa: em vez de liberar completamente o código e os pesos do modelo para o público, a Meta optou por exigir que os pesquisadores solicitassem acesso, sem oferecer qualquer licença para uso comercial. Quando questionado a respeito do motivo, LeCun respondeu no X: “Porque da última vez disponibilizamos um LLM para todos… as pessoas jogaram vitríolo na nossa cara e nos disseram que isso destruiria o tecido da sociedade”.
Vazamento do modelo
Apesar dessas restrições, o modelo completo vazou on-line em poucas semanas, espalhando-se pelo site 4chan e por várias comunidades de IA. “Parecia um pouco com queijo suíço”, diz Nick Clegg, presidente de relações globais da Meta, sobre a tentativa fracassada de manter o Llama atrás de portas fechadas. Em uma tentativa de conter sua disseminação, a Meta entrou com pedidos de remoção contra sites que disponibilizavam o modelo on-line. Alguns críticos alertaram sobre sérias repercussões e criticaram a Meta: “Prepare-se para muitos ataques personalizados de spam e phishing”, postou no X o pesquisador de segurança cibernética Jeffrey Ladish.
A consternação chegou até o Capitólio. Em junho de 2023, dois senadores dos Estados Unidos enviaram uma carta a Zuckerberg, criticando a liberação do Llama e alertando sobre seu potencial para uso indevido, incluindo fraudes, disseminação de malware, assédio e violações de privacidade. A carta dizia que a abordagem da Meta para distribuir IA avançada “levanta sérias questões sobre o potencial de uso indevido ou abuso”.
Ao mesmo tempo, LeCun e outros líderes da Meta ficaram surpresos com a enorme demanda pelo modelo Llama vazado, especialmente entre pesquisadores e desenvolvedores. Esses potenciais usuários buscavam a flexibilidade e o controle proporcionados pelo acesso aberto a um LLM altamente poderoso.
Um escritório de advocacia, por exemplo, poderia utilizá-lo para treinar um modelo especializado para aplicações jurídicas e manter a propriedade intelectual do resultado. Uma empresa de saúde poderia auditar e gerenciar os dados utilizados pelo modelo, assegurando a conformidade com a HIPAA. Os pesquisadores poderiam experimentar e examinar o funcionamento interno do modelo. “Recebemos inúmeras solicitações de pessoas, que diziam: ‘Vocês precisam abrir o código disso’.” “É tão valioso que poderia dar origem a uma indústria inteira, como uma nova Internet”, analisa LeCun.
As mensagens chegaram diretamente a Zuckerberg, ao CTO Andrew “Boz” Bosworth e a LeCun, desencadeando reuniões semanais em que os líderes discutiam qual caminho seguir. Deveriam abrir o código do próximo lançamento? Os benefícios superariam os riscos? Com o apoio de Pineau e LeCun, no meio do verão Zuckerberg já havia tomado sua decisão que culminou no grande lançamento em julho de 2023.
O Llama 2 não era totalmente aberto. A Meta optou por não revelar os conjuntos de dados utilizados para treinar o modelo — incluindo dados do Facebook e Instagram —, amplamente considerados sua maior vantagem competitiva. Ela também restringiu o uso por empresas com mais de 700 milhões de usuários ativos mensais, principalmente para deter os concorrentes de Big Tech da Meta. Mas era possível baixar o código-fonte e os pesos do modelo, e a Meta incentivava os usuários a contribuírem com melhorias, correções de bugs e refinamentos de resultados para uma comunidade colaborativa.
Antes mesmo do lançamento do Llama 2, Zuckerberg já havia preparado o terreno para posicioná-lo como o próximo grande sucesso da Meta. Após o lançamento do primeiro modelo Llama, em fevereiro de 2023, Zuckerberg rapidamente reuniu uma equipe que envolvia pessoas de toda a empresa, incluindo o FAIR, com o objetivo de acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de IA generativa e integrá-la aos recursos e ferramentas dos aplicativos da Meta. Para liderar a nova equipe, ele escolheu Ahmad Al-Dahle, um ex-executivo da Apple que se juntou à Meta em 2020 para trabalhar em produtos do metaverso.
Em uma reunião geral interna realizada em junho de 2023, Zuckerberg apresentou sua visão para o futuro da Meta impulsionada pela IA. A Meta estava embutindo a IA generativa em todos os seus produtos, disse, e reafirmou o compromisso da empresa com uma “abordagem baseada em ciência aberta” para a pesquisa em IA. “Eu tinha uma grande responsabilidade”, lembra Al-Dahle: “Desenvolver modelos de última geração; embuti-los no produto em velocidade recorde”.
Em outras palavras: O jogo havia começado para o Llama.
A mudança no jogo
A estratégia da Meta pode parecer contraintuitiva, especialmente para uma empresa com uma receita anual de US$ 135 bilhões. De modo geral, software de código aberto é visto como uma maneira de democratizar a tecnologia, beneficiando pequenas startups ou equipes com recursos limitados, exatamente o tipo que enfrenta dificuldades para competir com gigantes como a Meta.
Em uma postagem de blog feita em julho de 2024 e intitulada “Open Source Is the Path Forward” (Código aberto é o caminho adiante), Zuckerberg deixou claro que disponibilizar o Llama não foi um gesto altruísta. Segundo ele, o código aberto daria à Meta uma vantagem competitiva na corrida da IA e poderia, com o tempo, transformar o Llama na plataforma preferida para IA generativa. Igualmente importante, escreveu: “Disponibilizar o Llama de forma aberta não afeta nossa receita, sustentabilidade ou capacidade de investir em pesquisa, ao contrário dos provedores fechados, como a OpenAI ou o Google”.
Após mais de um ano desde o lançamento do Llama, alguns consideram o argumento de Zuckerberg convincente. Shweta Khajuria, analista da Wolfe Research que acompanha a Meta, descreve o lançamento do Llama como código aberto como “um golpe de gênio”, destacando que isso permitirá à Meta atrair os melhores talentos, impulsionar a inovação em sua plataforma, criar novas fontes de receita e aumentar sua longevidade. Ela afirma que abrir o código do Llama permitiu à Meta alcançar rapidamente a OpenAI, o Google e a Anthropic, graças ao trabalho de milhares de desenvolvedores que estão construindo e aprimorando o modelo em um ritmo alucinante. “Se eles não tivessem aberto o código-fonte, provavelmente levaria muito mais tempo para atingir o nível de outros modelos de ponta”, analisa.
O dilema da monetização
Khajuria acredita que a Meta terá diversas oportunidades de monetização no futuro, incluindo opções de assinatura e publicidade para os recursos atuais de IA baseados no Llama, além de mensagens comerciais no aplicativo impulsionadas por tecnologia de IA. “A Meta se beneficia de ter bilhões de usuários, enquanto o Perplexity, o Claude e o ChatGPT não necessariamente têm essa base”, pondera. “Quando ela tiver uma massa crítica de usuários e uso ao redor do mundo, poderá monetizar.”
Zuckerberg também sugeriu que o próprio conteúdo gerado por IA terá grande valor, embora alguns críticos o tenham descrito como “lixo”. Na recente teleconferência de resultados, Zuckerberg disse: “Acredito que vamos introduzir uma categoria completamente nova de conteúdo: seja gerado por IA, resumido por IA ou composto de forma inteligente por IA a partir de conteúdo existente. Acho que isso será muito empolgante para o Facebook, Instagram, talvez Threads e outras experiências de feed ao longo do tempo”.
Patrick Wendell é cofundador e vice-presidente de engenharia da empresa de dados e IA Databricks, que lançou os modelos Llama 3.1 da Meta em sua plataforma em julho. Ele considera a jogada da Meta algo muito mais abrangente. Se a internet foi a primeira grande onda tecnológica, possibilitando a criação do Facebook, e os dispositivos móveis representaram a segunda, dominada pela Apple e pelo Google, “acredito que o raciocínio de Zuckerberg é que uma terceira grande onda está se aproximando, e ele não quer que uma ou duas empresas controlem completamente todo o acesso à IA”, explica Wendell. “Uma forma de evitar isso é, basicamente, comoditizar o mercado, disponibilizando o principal IP gratuitamente… para impedir que alguém conquiste o monopólio.”
Alguns críticos argumentam que o Meta não deveria usar o termo “código aberto”. As versões atuais do Llama ainda possuem restrições que não estão presentes no software tradicional de código aberto, como a falta de acesso aos conjuntos de dados utilizados no treinamento. Em outubro, a Open Source Initiative, que cunhou o termo, criticou a Meta por “confundir” os usuários e “poluir” a terminologia. A organização destacou que empresas como Google e Microsoft já haviam abandonado o uso do termo, optando por utilizar expressões como “pesos abertos”. Clegg, chefe de assuntos globais da Meta, é direto em sua refutação: ele compara o debate à atitude de “pessoas que defendem fervorosamente que o vinil é a única forma verdadeira de definir boa música”. Apenas um punhado de modelos científicos e de baixo desempenho se encaixariam na definição, ele continua: “Ninguém tem direitos autorais de propriedade intelectual sobre essas duas palavras em inglês”.
Independentemente da terminologia, a Meta está obtendo sucesso onde realmente importa. Nathan Lambert, cientista pesquisador do Allen Institute for AI, uma organização sem fins lucrativos, diz que, embora as definições possam ser controversas, mais de 90% dos modelos de IA de código aberto atualmente em uso são baseados no Llama. Os programadores de código aberto aceitam que Zuckerberg “tem algumas realidades corporativas que distorcerão sua mensagem”, analisa. “No final das contas, a comunidade precisa dos modelos do Lhama.
Internamente na Meta, o Llama e os negócios geradores de receita estão cada vez mais indissociáveis. Em janeiro, Zuckerberg transferiu o FAIR, o grupo de pesquisa de IA, para a mesma parte da empresa que a equipe que implantava produtos de IA generativa nos aplicativos da Meta. LeCun e Pineau agora se reportam diretamente ao diretor de produtos Chris Cox, assim como Al-Dahle. “Faz muito sentido aproximar [o FAIR] da família de produtos de aplicativos”, analisa Pineau, destacando que, mesmo antes da reorganização, as pesquisas desenvolvidas por sua equipe frequentemente se transformavam em produtos da Meta em poucos meses.
Riscos de uma inteligência artificial quase humana
Zuckerberg também encarregou o FAIR de algo muito mais ambicioso: desenvolver inteligência artificial geral (AGI), um tipo de IA que possui inteligência semelhante à humana. A empresa prefere o termo AMI (“inteligência avançada de máquina”), mas, independentemente da nomenclatura, Pineau afirma que a Meta agora possui um “roteiro real” para desenvolvê-la — um plano que, presumivelmente, depende do sucesso contínuo do Llama. Enquanto isso, a Meta está desenvolvendo os modelos do Llama 4, treinando-os em um cluster de mais de 100 mil GPUs Nvidia H100. Mark Zuckerberg afirmou recentemente que este cluster é “maior do que qualquer coisa que eu já vi relatada a respeito daquilo que outros estão fazendo”.
Nem todos gostam da ideia de um Llama maior que tudo. Por anos, Zuckerberg e sua empresa enfrentaram a desconfiança do público em relação ao uso de IA para personalizar feeds de notícias, moderar conteúdo e direcionar anúncios nas plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp. Críticos acusaram os algoritmos da Meta de intensificar a polarização política, agravar crises de saúde mental entre adolescentes e facilitar a disseminação de desinformação, acusações que a empresa negou ou contestou. Por isso, talvez fosse inevitável que o Llama também estivesse sujeito a um escrutínio maior.
Alguns críticos temem que um modelo de código aberto como o Llama seja perigoso nas mãos de agentes maliciosos, precisamente porque é muito aberto. Essas preocupações podem aumentar na tensa atmosfera geopolítica atual. Em primeiro de novembro, a Reuters relatou que o exército chinês havia criado aplicativos de IA para uso militar com base em uma versão inicial do Llama.
Um novo governo Trump pode tornar ainda mais complicado manter o Llama aberto. O nacionalismo econômico de Trump sugere que ele certamente não gostaria que a China (ou qualquer outro país) tivesse acesso a modelos de IA de última geração feitos nos Estados Unidos. Mas o futuro do Llama pode depender de quem tem a atenção de Trump: o vice-presidente eleito JD Vance se manifestou em apoio à IA de código aberto no passado, enquanto a xAI de Elon Musk abriu o código de seu chatbot Grok (e Musk foi cofundador da OpenAI como um laboratório de código aberto).
Até mesmo alguns dos amigos mais antigos de Zuckerberg estão preocupados com esse tipo de corrida armamentista. Dustin Moskovitz, cofundador do Facebook e atual CEO da Asana, além de fundador da Open Philanthropy — uma das maiores financiadoras de iniciativas de segurança em IA —, afirmou que embora não seja contra LLMs de código aberto, “não acho apropriado continuar lançando versões cada vez mais poderosas”.
Mas Zuckerberg e seus aliados, tanto dentro quanto fora da Meta, argumentam que os riscos dos modelos de código aberto são, na verdade, menores do que aqueles criados a portas fechadas e proprietárias. A regulamentação preventiva dos danos teóricos da IA de código aberto sufocará a inovação, dizem. Em um ensaio coescrito em agosto, Zuckerberg e o cofundador do Spotify, Daniel Ek, destacaram que o desenvolvimento de código aberto representa “a melhor chance de aproveitar a IA para promover o progresso, gerar oportunidades econômicas e garantir a segurança para todos”.
Seja qual for o resultado do ativismo de código aberto cada vez mais barulhento do Meta, muitos argumentam que Zuckerberg é exatamente o mensageiro certo. Fontes internas concordam que seu envolvimento pessoal na promoção do Llama e do código aberto é a principal razão pela qual a Meta conseguiu evoluir com tanta velocidade e foco. “Ele é um dos poucos líderes fundadores que restam nessas grandes empresas de tecnologia”, diz Clegg. “Uma das grandes vantagens disso é que você tem uma linha de comando muito curta.”
Zuckerberg também tem sido ativo no recrutamento de talentos de IA, muitas vezes entrando em contato com eles pessoalmente. Em março de 2024, foi relatado que Mark Zuckerberg estava pessoalmente recrutando pesquisadores do DeepMind, divisão de inteligência artificial do Google, por meio de e-mails nos quais enfatizava a importância da IA para a Meta.
Erik Meijer, que passou oito anos na Meta liderando uma equipe focada em aprendizado de máquina — antes de ser demitido em novembro de 2022 — acredita que uma mudança tão completa só é possível com alguém como Zuckerberg na liderança. “É como virar um superpetroleiro gigante”, compara. “Ele é como um herói cult dentro da empresa, no melhor sentido, o que acredito ajudar a alinhar todos na mesma direção.” A nova transformação pessoal de Zuckerberg, refletiu Meijer, “talvez seja um sinal de renovação muito visível externamente”.
A renovação de Zuckerberg e a transformação da Meta certamente testarão a paciência dos investidores devido aos gastos de capital exorbitantes. Khajuria, analista da Wolfe, afirma que os investidores aceitarão essa estratégia por enquanto “porque a Meta preparou o terreno para explicar às pessoas qual é a oportunidade”. Dito isso, se a receita não começar a ganhar força ao longo de 2025 e no início de 2026, “acho que os investidores começarão a perder a paciência”, adverte. (De certa forma, Zuckerberg está isolado do descontentamento dos investidores; ele controla cerca de 61% das ações com direito a voto na Meta.)
Uma coisa é clara, diz LeCun: o tipo de aposta que a Meta está fazendo, com seu enorme investimento em GPUs e tudo relacionado à IA generativa, exige um líder disposto a fazer grandes mudanças. E a Meta não tem apenas esse líder, mas um negócio principal extremamente lucrativo para financiar a visão. Por isso, a Meta voltou ao centro das discussões mais relevantes na interseção entre tecnologia e negócios, e desta vez não se trata de avatares sem pernas no metaverso.