Em junho do ano passado, o Red Lobster anunciou que a promoção “Ultimate Endless Shrimp” — todos os camarões que você conseguir comer por apenas US$ 20 — se tornaria um item fixo do menu “o dia todo, todos os dias”.
O jogo começou, disse a América.
Os clientes lotaram os quase 700 restaurantes da rede, pedindo rodada após rodada de “Parrot Isle Jumbo Coconut Shrimp” (camarão empanado, doce e frito), o “Walt’s Favorite” (camarão empanado e frito), o “Garlic Shrimp Scampi” (camarão boiando em uma poça de manteiga e molho de alho), o “Shrimp Linguini Alfredo” (camarão em cima de massa ao molho de alho) e “Grilled Shrimp Skewers” (espetos de camarão grelhado). A primeira rodada era servida com dois acompanhamentos: salada de repolho, batata frita, purê de batata, batata assada ou arroz.
Era um espetáculo ruidoso e exagerado de gula. TikTokers se aconchegavam nos assentos estofados do restaurante e anunciavam seus desafios — “Olá, meu nome é Onalee e vou comer 65 camarões essa noite” — ou então compartilhavam vídeos de maratonas de comilança de camarão. “Passar o dia inteiro no Red Lobster comendo?”, questionou um sorridente mattpeterson__fan-764. “Desafio aceito!”
Entre os colaboradores, a notícia de que o “Endless Shrimp” seria item permanente no cardápio foi recebida com apreensão. Mesmo como evento especial ocasional ao longo dos anos, a promoção sempre representou uma experiência frenética e exaustiva. Cozinheiros e garçons mal conseguiam dar conta do recado. Caçadores de pechinchas reclamavam do ritmo do serviço. A polícia era chamada para atender clientes enfurecidos por não conseguirem levar sacolas para viagem.
Era uma batalha, na melhor das hipóteses e, no ano passado, o Red Lobster estava cambaleando. Rejeitada pelos clientes mais jovens e enfrentando a concorrência de opções mais baratas, a rede posteriormente reportaria uma queda de 30% no número de clientes desde 2019.
A queda representou uma calamidade devastadora e em câmara lenta para uma marca que, ao longo das décadas, levou frutos do mar a milhões de norte-americanos, além de oferecer sobremesas com temas náuticos, como o “Brownie Overboard”. Era um local adorado pelos clientes de classe média para comemorar ocasiões especiais, mais acessível do que restaurantes com toalhas de mesa brancas e mais sofisticado do que lanchonetes de fast-food.
Uma nova gestão assumiu em 2020 e tentou revitalizar a rede tomando medidas drásticas, algo como um choque de um desfibrilador cardíaco corporativo. A Thai Union, uma gigante dos frutos do mar sediada em Samut Sakhon, Tailândia, administrou esses choques por meio de sermões severos, inspeções surpresa e medidas drásticas de corte de custos que levaram a equipe ao seu limite.
Agora, ao apresentar o “Endless Shrimp” permanente, a Thai Union queria que os colaboradores do Red Lobster trabalhassem ainda mais.
“Quando isso nos foi imposto em junho, já estávamos completamente esgotados”, lembra Malcom Clarke, então gerente de serviço no Red Lobster em Orem, Utah. “Recebemos e-mails da administração que diziam: “É um vale-tudo. Sirvam o camarão o mais rápido que conseguirem”.
Como muitos ex-colaboradores do Red Lobster, Clarke fala sobre a rede com um misto de raiva e desgosto. Quando ele ingressou na empresa em 2019, ela tinha um certo prestígio. Conseguir o emprego levou meses e ele passou por uma série de entrevistas e 11 semanas de treinamento, amplamente considerado o melhor do setor. Na época, ele e outros falavam sem ironia sobre a “família Red Lobster”. Gerentes passavam anos se esforçando para subir na carreira, esperando que seus líderes assumissem funções mais altas ou se aposentassem.
No ano passado, o espírito de cordialidade e generosidade havia desaparecido, e o “Endless Shrimp” havia transformado o salão em um ambiente “infernal e caótico”, como disse um gerente. Alguns clientes passavam horas no local, pedindo apenas camarão e água.
“Nós os chamávamos de campistas”, disse Zachary Spain, gerente do Red Lobster na Times Square. “Havia um casal que vinha todo domingo. Calculo que comiam cerca de 100 camarões cada, talvez 120. E víamos pessoas o tempo todo colocando camarão em vasilhas Tupperware que escondiam no colo.”
Em janeiro, a Thai Union jogou a toalha. Citando as crescentes perdas, Thiraphong Chansiri, CEO da Thai Union, anunciou que a empresa estava rompendo todos os seus laços com o Red Lobster, uma decisão comparável ao ato de um pai que renega um filho. Em um comunicado enviado para este artigo, a Thai Union afirmou que não tinha muitas alternativas após tentar “todas as opções para resolver as onerosas obrigações financeiras do Red Lobster” e investir centenas de milhões de dólares na rede “durante um período em que existiam as condições de mercado mais adversas da história da empresa”.
Entre essas circunstâncias estavam eventos imprevisíveis, como a COVID. Mas muito antes do início da pandemia, o Red Lobster já era uma empresa em declínio. Aquela promoção especial interminável de US$ 20 representou apenas o golpe de misericórdia. Por cerca de uma década, a rede sofreu com erros, quedas e negligência nas mãos de uma série de empresas controladoras. Eles frequentemente se comportavam como os viciados em camarão que levavam seus Tupperwares ao restaurante, sempre focados principalmente em quanto lucro conseguiriam raspar dos pratos.
O pecado original
O primeiro Red Lobster foi inaugurado em Lakeland, Flórida, em 1968, uma ideia de Bill Darden, um prodígio do setor de restaurantes que, aos 19 anos, havia aberto uma lanchonete com 25 lugares em sua Geórgia natal. O objetivo do Red Lobster Inns, como a rede era originalmente chamada, era levar frutos do mar por preços acessíveis a regiões que não tinham acesso ao litoral. Para manter as contas dos clientes mais baixas, não havia jogos americanos nas mesas e nem pãezinhos de couvert. Também não havia lagosta, pelo menos no começo, porque era caro demais. Como explicou Charley Woodsby, sócio de Darden, em seu livro autobiográfico “Red Lobster: The Beginning” (Red Lobster: o início, em tradução livre), a dupla escolheu “Red Lobster” porque gostaram da forma como o nome soava.
Abundância era um tema desde o início. As primeiras ofertas incluíam o “Neptune Platter”, que era servido com camarão frito, ostras, filé de linguado, pernas de rã, vieiras, bolo de caranguejo, garras de caranguejo fritas, bolinhos de milho e uma opção de batata ou salada de repolho por US$ 2,50, o equivalente a US$ 22,60 hoje. A decoração interna era adornada com rodas de leme de embarcações e redes de pesca. As garçonetes usavam tops de marinheiro. Filas começavam a se formar do lado de fora do restaurante original a partir das 16h, uma hora antes do horário de abertura.
Em busca de expandir seu portfólio além dos Cheerios e de Betty Crocker, a General Mills adquiriu a empresa em 1970. Em 1983, havia 350 Red Lobsters em 36 estados. Era a maior rede de restaurantes com serviço de mesa do país.
“Não imaginávamos esse tipo de sucesso,” disse Darden naquele ano, quando a empresa se expandiu para o Japão, temendo que tivesse alcançado um ponto de saturação nos Estados Unidos.
A General Mills incorporou o Olive Garden ao seu portfólio e, em 1995, criou a Darden Restaurants como empresa independente negociada na Bolsa de Valores de Nova York. (Darden havia falecido no ano anterior; o nome foi uma homenagem a ele.) Nos anos seguintes, o brilho do Red Lobster começou a esmaecer. Os preços aumentaram quando a China desenvolveu um gosto por lagosta na década de 2010, e os custos de transporte, mão de obra e produção não paravam de aumentar. Tudo isso fez com que a rede ficasse um pouco cara demais para seu público principal. Em vez de atualizar a aparência dos restaurantes e melhorar os equipamentos, Darden desviou dinheiro para suas marcas de rápido crescimento, como o LongHorn Steakhouse e o Capital Grille.
Enquanto isso, frutos do mar estavam se tornando uma proteína de escolha. Hoje, os norte-americanos comem cerca de dois quilos de frutos do mar per capita a mais do que em 1980, e os restaurantes atenderam à demanda acrescentando camarão e peixe aos seus cardápios.
“Quando o Outback Steakhouse introduziu a tilápia, me lembro de pensar que eles estavam brincando na nossa caixa de areia”, disse Melissa Coyle, que administrou restaurantes Red Lobster por 24 anos, mais recentemente na Carolina do Norte. “Não evoluímos, não manobramos rápido o suficiente para receber a próxima geração de clientes.”
Coyle iniciou sua carreira como garçonete do Red Lobster em Colonial Heights, Virgínia. Em 2018, ela se mudou com o marido e os filhos para a região de Raleigh, onde supervisionou 10 filiais, gerando US$ 35 milhões em receita anual. Ela planejava permanecer no Red Lobster até se aposentar.
“Era uma ótima empresa, onde a cultura era baseada em respeito e integridade”, ponderou. “Se você dissesse a alguém que trabalhava no Red Lobster, dizia isso com um certo orgulho.”
Havia orgulho, mas o lucro estava caindo. Com o incentivo de investidores ativistas, em 2014 Darden vendeu o Red Lobster para a Golden Gate Capital, uma empresa de private equity de São Francisco, por US$ 2,1 bilhões. O acordo levou àquilo que um ex-executivo do Red Lobster descreveu como “o pecado original”. A Golden Gate vendeu as propriedades pertencentes a 500 dos restaurantes por US$ 1,5 bilhão.
Denominada de venda e arrendamento simultâneo, a operação rendeu um lucro rápido e imenso para a Golden Gate e seus acionistas. E ela trouxe aos gerentes do Red Lobster um desafio a mais: uma nova despesa chamada de aluguel.
Para analistas do setor, o acordo foi um ultraje.
“Esses palhaços basicamente saquearam o Red Lobster,” analisou Phil Kafarakis, presidente da International Foodservice Manufacturers Association, que representa empresas de alimentos que fornecem para restaurantes. “A Golden Gate — esse pessoal é da área de finanças. Estavam apenas ganhando dinheiro fácil às custas de um animal ferido. E foi uma pena porque era uma grande marca que atuava em uma categoria muito difícil.”
A Golden Gate não quis comentar o assunto. Em teoria, o dinheiro proveniente de operações de venda e arrendamento simultâneo pode ser investido em um negócio que precisa muito dele. E, segundo ex-colaboradores, o Golden Gate financiou melhorias, como um projeto de Cozinha do Futuro que incluía novas estações de refogados e software para agilizar os pedidos.
Isso bastou para inspirar esperanças de que seria possível fazer uma reviravolta. Daí veio um encontro fortuito com a modernidade. Em 2016, Beyoncé insinuou nas letras impublicáveis de seu single “Formation”, lançado antes de sua apresentação no intervalo do Super Bowl, que recompensava os melhores esforços de um amante com visitas ao Red Lobster. Infelizmente, a empresa levou oito horas para responder a um tuíte viral sobre a música feita pelo cantor John Legend, e essa resposta — “‘Cheddar Bey Biscuits’ soa bem, você não acha? #Formation @Beyoncé” — não impressionou.
“Vocês tiveram horas para reagir e foi só isso que conseguiram criar?” era uma resposta típica de decepção no Twitter.
A trapalhada fazia parte de um problema bem maior. Clientes jovens e negros estavam começando a frequentar o Red Lobster, mas a empresa nunca conseguiu descobrir como direcionar o marketing para esse público. Não foi até julho deste ano, dois meses depois de a empresa ter entrado com pedido de falência, que ela revelou uma parceria com o rapper Flavor Flav, um fã de longa data da marca.
Em 2020, os arrendamentos do Red Lobster haviam se tornado uma forca cada vez mais apertada ao redor do pescoço da rede. Haviam sido estipulados aumentos anuais de 2%, que, com o tempo, chegaram a representar até 50% da receita de alguns locais. Muitos dos restaurantes haviam sido construídos décadas antes, em áreas menos favorecidas. Mudar seria impossível ou proibitivo em termos de custos. Um documento de falência apresentado pela nova gestão da empresa em maio informava que, no ano passado, o Red Lobster desembolsou US$ 64 milhões em aluguéis de restaurantes que apresentavam “baixo desempenho”.
Alguns deles desempenhavam de forma insatisfatória por um motivo: uma combinação de despesas gerais sufocantes e queda em receita havia levado ao seu fechamento definitivo. Mas o Red Lobster ainda tinha que pagar o aluguel.
Em 2020, estava aparente que a Golden Gate havia chegado ao seu limite com a cadeia. Naquele ano, ela encontrou um comprador.
“Eles estão em Omaha!”
A Thai Union é uma das empresas de maior destaque no crescente mercado global de frutos do mar, movimentando US$ 360 bilhões por ano. Fundada em 1977, ela é uma potência de capital aberto atuante no setor de frutos do mar congelados e enlatados, com 12 unidades de produção em quatro continentes e mais de 45 mil colaboradores. A empresa comercializa alimentos para animais de estimação e humanos por meio de marcas como Chicken of the Sea. No ano passado, ela registrou US$ 3,8 bilhões em receita.
A Thai Union também fornece para restaurantes, e o Red Lobster é cliente dela há anos. Um cliente muito importante. A rede de restaurantes compra mais frutos do mar do que muitos países. Para a Thai Union, adquirir o Red Lobster seria o equivalente a uma empresa de grãos de café adquirir a Starbucks.
Antes do Red Lobster, a Thai Union nunca havia sido proprietária de um restaurante. Em 2016, a empresa adquiriu uma participação minoritária na rede da Golden Gate por US$ 575 milhões. Quatro anos depois, a Golden Gate vendeu sua participação acionária restante para a Thai Union, para os gestores do Red Lobster e para um consórcio de investidores chamado Seafood Alliance. A Thai Union acabou se tornando a maior acionista, passando a deter 49% da empresa.
O momento da operação foi desastroso. A pandemia devastou o setor de restaurantes, e o Red Lobster, já enfraquecido, foi mais afetada do que a maioria das redes. Seus clientes, mais velhos do que a média, demoraram mais para voltar a fazer refeições presenciais e, como frutos do mar não são ideais para refeições para viagem, a rede tinha pouca infraestrutura de entrega.
“Nas reuniões semanais realizadas pelo Zoom, tudo se resumia a cortar custos e aumentar as vendas”, explicou Kristen Green, que gerenciou restaurantes da rede em Rochester, Nova York, e depois em Pittsburgh. “Em vez de satisfazer os clientes para que voltassem com mais frequência, o objetivo era reduzir as despesas com mão de obra e fazer com que as pessoas pedissem mais aperitivos, mais pratos principais e mais sobremesas.”
A Thai Union estava impaciente por resultados. Um executivo afirmou que recebeu um e-mail exigindo um aumento de 17% nas vendas. Era uma exigência enorme. `Para um restaurante típico, aumentar as vendas em 2% já representa um triunfo.
Na sede corporativa em Orlando, Flórida, a cúpula da Thai Union também deixou uma impressão memorável. Chansiri, o CEO, recrutou Paul Kenny, um australiano de cabelos grisalhos que havia passado anos no ramo de restaurantes de rede em Bangkok, para atuar como o elo com a Thai Union. Ele chegou com muitas boas ideias: ele queria energia no salão, atendentes sorridentes e clientes ansiosos para retornar.
No entanto, ex-colaboradores — que pediram anonimato devido a possíveis disputas financeiras com a nova gestão do Red Lobster — afirmam que ele tinha um estilo cáustico. Ele menosprezava tanto os colaboradores da linha de frente quanto os executivos de alto escalão. Durante uma reunião em Orlando, ele obrigou uma vice-presidente a sentar no último círculo de cadeiras da sala depois de ela dar uma resposta de que ele não gostou. (Kenny não respondeu a repetidos pedidos de comentários.) Kelli Valade, a CEO do Red Lobster, uma veterana muito admirada no setor, deixou a empresa em abril de 2022, apenas oito meses depois de assumir o cargo. Kenny então assumiu a função.
Agora totalmente no comando, Kenny e Chansiri começaram a visitar lojas do Red Lobster por todo o país. Na maioria das vezes, suas visitas ocorriam sem aviso prévio e deixavam os gerentes quase aterrorizados. Para se preparar, recursos escassos eram gastos em reparos e novas demãos de tinta. Os atendentes ensaiavam os scripts da empresa. Os chefs eram questionados sobre receitas. À medida que os executivos viajavam, sua localização era compartilhada por mensagem de texto em grupo. (Eles estão em Omaha!)
Nenhum nível de preparação bastava. Nenhuma cozinha estava limpa o suficiente. Nenhum garçom era rápido o bastante. A qualidade dos alimentos era frequentemente alvo de críticas severas. Às vezes, os colaboradores eram levados às lágrimas.
Em 2022, poucos dias antes do início da Conferência de Gerentes Gerais da empresa — um evento anual que sempre foi considerado edificante — todos os seis vice-presidentes sênior de operações do Red Lobster, juntamente com o diretor de operações, foram demitidos. Quando 700 gestores e executivos compareceram à sala de conferências de um hotel em Dallas, eles estavam preparados para levar uma bronca.
E quando Chansiri subiu ao palco, de fato levaram. Ele disse que ficou chocado com o desempenho financeiro da rede e decepcionado com os restaurantes que visitou. Os gestores que ele e Kenny questionaram não sabiam as respostas para perguntas básicas — como: Qual o percentual de sua receita que é proveniente de bebidas alcoólicas? — e a comida que ele provava às vezes era muito ruim. Durante sua apresentação, ele exibiu em uma tela enorme fotos de pratos que lhe foram servidos durante sua turnê cuja qualidade estava abaixo do esperado.
Chansiri fez ainda uma previsão tenebrosa: se a rede não melhorasse muito, ela não existiria mais em um ano.
“Depois daquela conferência, desenvolveu-se no Red Lobster uma cultura de medo”, lembra Steven Varsava, gerente da unidade de Murray, Utah. “Notei uma mudança no meu diretor. Ele deixou de ser um cara legal e se transformou em alguém totalmente estressado.”
Entretanto, muitas pessoas sabiam que Chansiri estava certo. Gerentes devem saber quanto de sua receita deriva de bebidas alcoólicas. Os pratos devem sempre ter uma aparência atraente. O Red Lobster precisava de uma sacudida.
Nos meses seguintes, a gestão lançou um novo programa de qualidade, serviço e limpeza como forma de começar de novo. Também foram anunciadas auditorias mensais, acompanhadas de medidas disciplinares para os gerentes de locais que não atendessem aos padrões estabelecidos.
O problema era que todas as mudanças exigiam recursos, e não havia dinheiro disponível.
Caixas de camarão congelado
Desesperados para aumentar o movimento e as vendas, Kenny e seus colegas testaram um produto novo. Eles lançaram o “Cheddar Bay Shrimp”, que usava temperos dos populares pães oferecidos gratuitamente no Red Lobster. Quando o prato não alcançou o sucesso esperado, era hora de empregar o recurso Ave Maria.
O “Ultimate Endless Shrimp” era uma promoção anual tradicionalmente programada para o período de volta às aulas em setembro, quando o fluxo de clientes nos restaurantes tende a diminuir. No resto do ano, a promoção era feita somente às segundas-feiras. Agora, ela seria tão permanente como os babadores de plástico. Em 26 de junho de 2023 a empresa anunciou que o “Endless Shrimp” “chegou para ficar”!
O impacto foi instantâneo. Formavam-se filas na porta porque muitos clientes não queriam ir embora. Durante alguns meses, não havia limites de tempo, regras contra o compartilhamento com amigos, ou restrições quanto a pedidos de sacolas para viagem. E o fluxo de entusiastas de camarão, mais jovens e barulhentos, alterou o ambiente do restaurante e afastou os clientes habituais.
“O ‘Endless Shrimp’ revelou o que há de pior nas pessoas”, recorda Varsava, que à época trabalhava no restaurante de Orem. “Eles reclamavam que o camarão não chegava rápido o suficiente ou que ficava tempo demais sob as lâmpadas de aquecimento. E quando reclamavam com a direção corporativa, nossos bônus eram descontados.”
Era solicitado que garçons sobrecarregados atendessem a oito mesas em vez de quatro. Eles pediam demissão com tanta frequência que Clarke passava grande parte de seu tempo tentando recrutar novos colaboradores.
“Eu fazia 16 entrevistas no fim de semana e contratava todos eles”, comentou. “Três apareceriam. Se tivéssemos sorte, eles durariam uma ou duas semanas. Muitos desistiam na mesma noite em que iniciavam. E eu entendia perfeitamente. Estávamos contratando esses jovens e os tratando como animais.”
Para alguns dos restaurantes, o “Endless Shrimp” foi um desastre de outras maneiras. Para facilitar a publicidade e causar um certo burburinho, a promoção custava os mesmos US$ 20, tanto na zona rural de Ohio quanto em Manhattan. Isso significava que, em locais onde viviam pessoas de renda mais alta, o Red Lobster tinha um prejuízo de cerca de US$ 3 toda vez que um cliente do “Endless Shrimp” entrava no restaurante.
Isso não teria sido um problema se, como esperado, os clientes também pedissem itens com alta margem de lucro, como mai tais de manga ou se tivessem trazido amigos que quisessem um “surf and turf” de US$ 40. Isso não aconteceu. Em Orem, o tíquete médio caiu de US$ 36 para US$ 28.
Ex-colaboradores têm uma teoria sobre o motivo da persistência da promoção “Endless Shrimp”: a Thai Union havia decidido que o Red Lobster estava além da salvação. E se não fosse possível salvar o Red Lobster, a Thai Union queria vender o máximo de frutos do mar que pudesse para a rede enquanto ainda dava para fazer isso. (A empresa se recusou a comentar esse questionamento.)
Verdade ou não, em abril do ano passado, o Red Lobster rescindiu seus contratos com dois fornecedores concorrentes de camarão empanado, conforme indicado no pedido de falência da empresa. Isso foi realizado “sob o pretexto” de rever a qualidade, segundo o processo, e “em aparente articulação com a Thai Union”. Isso deixou a “Thai Union com um contrato exclusivo, o que elevou os custos para o Red Lobster”.
Na verdade, a Thai Union não fornecia quantidades infinitas de camarão. Era comum faltar o produto. Alguns cardápios passaram a exibir um asterisco com a frase “enquanto durarem os estoques”. Além disso, os embarques de camarão da Thai Union não eram apenas esporádicos e caros, mas também algumas das caixas vinham cobertas de gelo.
“Quando a promoção “Endless Shrimp” iniciou, a Thai Union nos fornecia camarão fresco”, comentou Varsava. “À medida que o ano avançou, as datas de validade foram ficando cada vez mais distantes no passado.”
Os clientes reclamavam do sabor.
“Naquele momento”, continuou Varsava, “imaginei que a Thai Union havia nos comprado para esvaziar seu estoque”.
Em um e-mail, um porta-voz da Thai Union afirmou que a empresa possuía controles para evitar o envio de camarão com data de validade vencida.
Segundo o porta-voz, “durante todo o período do investimento da Thai Union, as decisões operacionais, de aquisição e fornecimento eram realizadas de acordo com os mais altos padrões”.
Uma nova dieta
Em setembro do ano passado, o Red Lobster iniciou sua espiral de morte. A empresa parou de pagar muitos de seus fornecedores.
Em Orem, um ralo de gordura entupiu em uma sexta-feira à noite e resultou na formação de uma poça de 2,5 cm de profundidade de água fétida e oleosa no chão da cozinha. Quando Clarke informou seu chefe a respeito, as instruções foram claras: não chame um encanador até segunda-feira porque o custo de uma visita será muito mais alto no final de semana.
“Se a vigilância sanitária tivesse vindo no sábado ou domingo, teríamos sido fechados”, disse Clarke. “Precisei levar meias extras para o trabalho porque elas ficavam encharcadas.”
Abandonar o Red Lobster era a única opção da empresa, escreveu o porta-voz da Thai Union no e-mail. “Apesar de enfrentar uma pandemia global sem precedentes, taxas de juros mais altas, aumento dos custos de materiais e mão de obra, um ambiente competitivo mais intenso e obrigações de arrendamento rígidas e desfavoráveis, a Thai Union continuou a apoiar o negócio e explorou todas as alternativas para resolver as pesadas obrigações financeiras do Red Lobster”, escreveu o porta-voz.
Quando o Red Lobster entrou com o pedido de falência em maio, ele fechou 140 restaurantes, mantendo 544 abertos, e revelou que a rede acumulava uma dívida de US$ 1 bilhão, com um prejuízo líquido de US$ 76 milhões em 2023. Milhares de colaboradores pagaram um preço mais pessoal. Muitos descobriram que estavam desempregados quando chegaram para trabalhar e ficaram sabendo que seus restaurantes haviam fechado para sempre.
Coyle, ex-gerente da Carolina do Norte, abandonou seu plano de se aposentar na empresa. O Red Lobster que ela amava já não existia mais, e, em 2022, ela foi conseguiu emprego em outra rede. No entanto, ela ainda se sente assombrada pelo relacionamento profissional que marcou sua carreira.
“Eu comparo isso a um divórcio”, analisou. “Quando você passa 24 anos em uma empresa, ela meio que se torna seu sistema de crenças.”
Recentemente, ela concordou em se encontrar comigo no Red Lobster próximo a Raleigh, onde trabalhou e que agora está fechado. Na manhã agendada para o encontro, ela mudou de ideia e acabamos nos encontrando para um café da manhã em um shopping.
“Passei toda a minha vida adulta na empresa”, disse. “O Red Lobster me proporcionou muitas coisas boas neste mundo. Permitiu-me criar meus filhos. E as lutas que eles travaram afetaram a mim e minha família.” Ela então fez uma pausa por um momento. Lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto.
“Desculpe”, disse. “É por isso que não quero ir lá.”
Hoje, o Red Lobster está prestes a ganhar um novo proprietário. O Fortress Investment Group, uma empresa de gestão de investimentos com sede em Manhattan, foi a única a apresentar uma oferta para adquirir a rede enquanto ela enfrentava dificuldades em um tribunal de falências na Flórida. Na quinta-feira, o juiz que supervisiona o caso aprovou o acordo. Os US$ 375 milhões representam um desconto significativo na comparação com o valor de mercado de US$ 2,1 bilhões que a empresa possuía há dez anos.
Chansiri, por sua vez, gostaria de seguir em frente. Durante uma teleconferência sobre lucros em fevereiro, analistas o bombardearam com perguntas sobre o fracasso mais notório da história da Thai Union.
“O Red Lobster é algo que está acabado e resolvido”, disse enfaticamente, por meio de um tradutor. Ele parecia desejar dar um fim não apenas às perguntas relacionadas ao Red Lobster, mas também aos pensamentos a respeito da marca.
“Outras pessoas param de comer carne bovina”, disse com um sorriso amarelo no rosto. “Vou parar de comer lagosta.”
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.