Um novo governo assume sem muito apoio e propõe um orçamento que piora o déficit público. A moeda deprecia 7% em dez dias; no mesmo período, a Bolsa cai 9% e a taxa de juros aumenta 1,4 pontos percentuais. Não foi culpa da Faria Lima. Não foi no Brasil. Foi na Inglaterra, em 2022. A troca de comando do Partido Conservador levou a ex-secretária do Tesouro, Elizabeth Truss, ao cargo de primeira-ministra. Após menos de dois meses ela caiu, todo esse stress passou e virou exemplo do que não fazer, especialmente quando a maior parte dos países no mundo tenta resolver os déficits e aumento de dívida deixados pela pandemia.
No Brasil, o caos continua. O presidencialismo não tem os mesmos mecanismos de resolução rápida de problemas. O dano causado pela má condução das contas públicas deve aparecer na forma de recessão em um ou dois anos, se a volatilidade continuar pressionando as condições financeiras e levando a taxa de juros para, provavelmente, acima de 15%. A causa dos problemas já tratei no texto anterior e as consequências foram intensas, mas o tal “mercado” é um conjunto de pessoas e fenômenos sociais que muitas vezes não são previsíveis nem lineares.
Desde o anúncio catastrófico do tímido corte de gastos, o Executivo fez pouco para tentar aliviar a situação, além de trabalhar pela aprovação dos projetos enviados ao Congresso. O Tesouro não fez muitas recompras de títulos, somente cancelou ou diminuiu os leilões ordinários. O Legislativo está mais preocupado em negociar emendas do que em contribuir para resolver o problema; e cortar gastos ainda é encarado como “maldade”. Mas aprovação rápida da contenção de gastos, ainda que mais diluída do que o original, é alguma notícia boa. Apesar da desvalorização de mais de 8% da moeda e aumento de quase 3 pontos percentuais da taxa de juros esperada para 2027, entre 26 de novembro, dia do pronunciamento do ministro em cadeia nacional, e 18 de dezembro, os eleitos em Brasília não mudaram muito a sua rotina.
Já os tecnocratas fora da Esplanada dos ministérios tiveram semanas mais agitadas. O Banco Central decidiu subir a taxa de juros em um ponto percentual, para 12,25%, e anunciou mais dois aumentos da mesma magnitude – de forma unânime. As intervenções no câmbio deixaram algumas dúvidas, mas, após a maior venda de dólares desde a flutuação do câmbio em 1999, no dia 19 de dezembro, e a entrevista coletiva pela ocasião da divulgação do relatório trimestral de inflação, os ânimos acalmaram um pouco.
Desde 13 até 20 de dezembro, o BC vendeu 17 bilhões de dólares à vista e fez 8 bilhões de leilões de linha com recompra. A tradicional coletiva do relatório trimestral foi uma ocasião para o atual presidente, Roberto Campos Neto, passar o cargo para Gabriel Galípolo e contou com o competente diretor de política econômica, Diogo Guillen, para fundamentar as decisões do BC. Na ocasião, o novo presidente foi calmo e direto, indicou continuidade do trabalho de décadas do regime de metas de inflação e disse contar com o apoio do Executivo.
Não há um ataque especulativo contra o Brasil. Os fundamentos da economia não são bons e exigem cuidado no controle da elevadíssima dívida pública, mas estão distantes do que a dupla Guido Mantega e Dilma Rousseff causaram. A preocupação com a continuidade do cenário atual é ajudar a causar uma recessão nos próximos anos. Nesses momentos, há fatores técnicos importantes atuando. No mercado de dólares, o final de ano é normalmente menos líquido e as empresas enviam recursos para fora do país, principalmente lucros, o que ajuda a exacerbar a desvalorização do Real. O que o governo e o BC devem evitar é que o técnico contamine os fundamentos e prejudique o crescimento e a inflação, com alto custo de bem-estar e difícil reversão.
Se pudéssemos pedir para o Papai Noel para resolver essa crise, talvez ele nos respondesse falando não merecemos, que a razão do problema é o mau comportamento, afinal, a dívida é alta, pois o país gastou, por muito tempo, mais do que arrecadava. Mas, talvez, ele aceitaria ajudar com um novo regramento orçamentário para o país, um superávit primário para evitar crescimento da dívida sem aumentar a carga tributária e, tudo isso, sem prejudicar a maior parte dos programas sociais para os pobres. Feliz Natal.