O uso do vale-refeição (VR) para compras não relacionadas à alimentação causou a demissão de pelo menos 20 funcionários da Meta, dona do Facebook, na última semana. A notícia pegou muita gente de surpresa. Afinal, o uso indevido do benefício, cujo crédito diário estava na casa dos US$ 25 (R$ 137,50), levou ao corte de funcionários que ganhavam até US$ 400 mil (R$ 2 milhões). Mas é preciso ficar atento com essa prática: no Brasil, situações como essa também podem acontecer.
Taunai Moreira, do escritório Bruno Boris Advogados, lembra que muitos trabalhadores complementam sua renda “vendendo” os créditos oriundos do auxílio, seja ele o vale-refeição (VR) ou o vale-alimentação (VA). “O que muitos empregados não percebem é que essa prática pode ser interpretada como crime de estelionato e ocasionar uma demissão por justa causa”, aponta.
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Para ela, a lei 14.442/22 não deixa margens para discussão, ao dispor que o auxílio pago por empregadores deve ser utilizado pelo trabalhador para refeições em restaurantes e estabelecimentos similares. Outra possibilidade permitida é a compra de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.
Sob o mesmo raciocínio, Felipe Mazza, coordenador da área trabalhista do EFCAN Advogados, lembra que a lei trabalhista não é específica em relação ao desvio de finalidade atrelado ao VR e ao VA. Contudo, a jurisprudência considera o uso indevido do benefício como fraude. “Pode ser aplicada a justa causa ao trabalhador, pelo ato de improbidade. Isso porque ele obtém vantagem econômica indevida, podendo até responder criminalmente em determinados casos.”
Por que vender o VR e o VA pode causar demissão?
Os especialistas consultados pelo Infomoney lembram, ainda, que existem normas contratuais definindo regras para a utilização correta de benefícios como o VR e o VA. Elas são baseadas em acordos firmados entre as empresas e as operadoras dos cartões de benefícios, além de estarem ligadas ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado pela lei 6.321/1976.
“O uso indevido do VR pode ser caracterizado como quebra de confiança entre empregado e empregador. Mesmo sem uma previsão normativa específica, a finalidade do vale-refeição, como o próprio nome sugere, é de conhecimento geral e só deve ser utilizado para a compra de refeições”, explica Fernando Zarif, sócio do Zarif Advogados, escritório especializado em relações do trabalho
A descoberta de fraudes podem justificar medidas disciplinares ou até uma demissão por justa causa. “A depender da gravidade da situação e, principalmente, em caso de reincidência”, aponta Zarif. Segundo ele, tanto empresas quanto órgãos públicos possuem meios para fiscalizar e verificar como esses benefícios são utilizados — principalmente quando estão inseridos no PAT ou se há incentivos fiscais envolvidos.
E vender o vale-transporte (VT), pode?
Um caminho relativamente simples para as empresas fiscalizar se seus funcionários estão vendo o vale-refeição é por meio dos extratos dos cartões ou de relatórios fornecidos pelas operadoras de benefícios. Geralmente, a fiscalização não identifica cada item comprado, mas o segmento do estabelecimento em que o benefício foi usado e o valor total da compra.
Felipe Mazza, do EFCAN Advogados, lembra que a preocupação com o uso indevido dos benefícios do vale-refeição e alimentação acontece também por se tratar de uma verba indenizatória. “Não há sobre ele encargos de natureza fiscal, previdenciária, fundiária e reflexos sobre as demais verbas trabalhistas.”
Mas nem o VR e o VA, tampouco o vale-transporte (VT) pode ser vendido pelo trabalhador. No caso desse último item, que é opcional ao trabalhador e que pode ter um desconto de até 6% sobre a sua folha de pagamentos, a fiscalização é ainda mais fácil. “As empresas compram os créditos dos bilhetes diretamente de operadoras de transporte. O eventual uso incorreto, como por exemplo a revenda, pode ser identificado com mais facilidade”, diz Fernando Zarif, do Zarif Advogados.