Na contramão do FOSO (fear of switching off) – medo de se desconectar, em português -, a Austrália colocou em vigor no final de agosto uma lei que garante aos trabalhadores o direito de ignorar mensagens e ligações fora do horário do expediente, sem medo de sofrerem represálias dos chefes. Aprovada em fevereiro, a legislação se une às regulamentações de outras regiões do globo, como França, Canadá e Bélgica, que também permitem por lei o direito à desconexão aos funcionários.
No Brasil, as normas da CLT ainda não acompanharam a mudança na rotina profissional, que têm seus limites de acesso testados diariamente em meio a tantos dispositivos de comunicação e ao movimento do home office, intensificado a partir da pandemia de Covid-19.
“A gente está na era da hiperconectividade, então tanto para presencial quanto para home office, o contato é muito mais fácil. Isso fica muito complicado, porque o pessoal quer resolver tudo de forma imediata e passa por cima do direito ao descanso remunerado”, afirma Ronan Leal, Head trabalhista do escritório GVM Advogados. “A pessoa, além de ter um prejuízo psíquico, também tem um prejuízo compensatório, porque ela vai trabalhar um pouco mais sem receber por aquilo”, completa o advogado.
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A nova lei australiana não proíbe os empregadores de contatar os colaboradores fora de hora, mas protege a escolha do funcionário de não responder nem monitorar canais de comunicação.
O não cumprimento das ordens pode gerar multas de até 94 mil dólares australianos (cerca de R$ 350 mil) para uma empresa.
Posso me recusar a responder fora do horário?
Mesmo com implementações de novos artigos relacionados ao teletrabalho na CLT brasileira, ainda não há uma regra específica que proteja o direito à desconexão dos trabalhadores, como na Austrália.
No Brasil, o empregado ainda deve se basear nas determinações do Contrato de Trabalho a que está submetido, com especificações da jornada, para se proteger do acesso e demandas fora do horário.
É nessa mesma legislação que está garantido o intervalo mínimo de 11 horas entre turnos, o máximo de duas horas extras por dia e férias de 30 dias.
A justiça do trabalho também possui um instrumento punitivo para situações de horas extras excessivas, o dano existencial. Ele pode ser aplicado quando o empregador impõe trabalhos adicionais que levam a privação do convívio social e de outras atividades. Mas não trata-se de uma proteção para mitigar o contato fora do expediente, apenas a reparação de um dano já sofrido.
“O trabalhador pode se recusar a atender, mas na prática não funciona assim. O empregado se preocupa em manter o emprego, então ele vai pensar ‘eu vou responder, porque eu tenho medo de perder o emprego’. É aquele assédio, aquela pressão psicológica, que só a questão de uma remuneração não resolve. É muito mais [que o colaborar responde] pelo medo de perder o emprego do que para receber um pagamento por essa sobrejornada”, afirma Ronan Leal.
Assédio e Rescisão de Contrato
Na visão do advogado, o acesso fora do horário em excesso pode ser configurado como assédio e até possibilitar o requerimento de uma rescisão indireta do contrato, uma espécie de “justa causa inversa do empregador”, quando o pedido é feito por parte do empregado.
Este tipo de medida é garantida pelo artigo 483, da CLT, que dispõe do não cumprimento das obrigações do contrato e do tratamento com rigor excessivo, ambos em relação ao empregador.
“O problema no Brasil é mais cultural. Seria interessante estabelecer aqui uma lei como a da Austrália, mas visando ter um processo educativo dos empregadores”, explica Ronan. “Se quer flexibilizar muito, mas tem que pensar também na proteção, na saúde e no lazer, porque senão, realmente, sem a mão de obra, sem as pessoas, não se consegue nada”, completa.